Eu tenho um nome, de Chanel Miller, publicado pela Editora Intrínseca, com 336 páginas, é um livro de memórias que surge a partir de um texto em primeira pessoa que viralizou em 2016. A carta não identificava a autora, e surpreendeu milhões de pessoas relatando o abuso que havia sofrido no campus da Universidade de Stanford.
A declaração publicada pelo Buzzfeed foi vista por 11 milhões de pessoas em apenas quatro dias, traduzida para diversos idiomas, inclusive o português. Além de ser lida no plenário do Congresso americano, e citada por políticos e celebridades, a carta acabou inspirando mudanças na lei da Califórnia e a demissão do juiz do caso.
Apesar do impacto deste relato, ninguém sabia quem era a autora. Por isso, Chanel Miller decidiu escrever o livro como um relato completo do ocorrido, reivindicando a própria identidade para contar sua história. No livro, a autora relata o estupro sofrido, o tratamento que recebeu das forças de segurança e a frieza do sistema judicial.
Seu texto é permeado pela dor, resiliência, isolamento e vergonha em seu processo como vítima. Mesmo com testemunhas, com exames que comprovaram o abuso, com a coleta de provas físicas, com uma série de ferramentas legais que a deveriam proteger, Chanel foi submetida a uma série de humilhações. Sua constatação é que as vítimas são desencorajadas de buscar justiça, acabam caindo em uma emboscada onde suas vidas não mais as pertencem.
Sua jornada de cura foi ainda mais difícil enquanto lidava com essas situações dolorosas, depoimentos, audiências e o próprio julgamento. Ela conta como sua vida acabou se desestabilizando, precisou sair do emprego, mudar de cidade, e prejudicou suas relações com amigos, família e com o namorado, mas como o apoio deles foi fundamental para passar por tudo isso.
Brock Turner, o acusado do crime, foi condenado em 2016 a apenas seis meses de prisão depois de ser flagrado agredindo-a sexualmente. Sua defesa no tribunal tentou usar sua posição como aluno universitário e atleta de alto nível, e que a acusação destruiria a vida dele. Sem levar em conta como o crime já havia destruído a vida de Chanel, e também a de toda a sua família. Milhares de pessoas escreveram para dizer que ela lhes dera a coragem de compartilhar experiências de agressão pela primeira vez.
A capa do livro possui veios dourados que representam o kintsugi, arte japonesa que significa “reparo em ouro”. Em vez de considerar as rachaduras imperfeições que devem ser ocultadas, por meio do kintsugi as peças de cerâmica quebradas são remendadas com uma mistura de ouro em pó e laca. Essa técnica nos mostra que, embora o objeto não possa retornar a seu estado original, os fragmentos podem ser reconstituídos como algo único.
Com uma narrativa emocionante, que prende a atenção do início ao fim, o livro de memórias de Chanel Miller reverbera a dor de tantas mulheres que buscam o caminho da justiça para reparar o trauma do abuso e se veem muitas vezes presas em uma armadilha de vergonha. Sua história lança luz a uma cultura que protege os agressores e expõe um sistema de justiça criminal falho com os mais vulneráveis, mas mostra também a coragem necessária para lutar contra a opressão e atravessar o sofrimento.
Além de apresentar uma escritora extraordinária, Eu tenho um nome é uma obra capaz de transformar para sempre a maneira como enxergamos os casos de agressão sexual. Uma leitura difícil, com certeza, mas extremamente importante para homens e mulheres entenderem a situação e terem mais empatia com as vítimas que preferem silenciar suas denúncias, para proteger a própria realidade e a sanidade mental.
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