Eu Terei Sumido na Escuridão (Editora Vestígio, 352 páginas) de Michelle McNamara retrata a história de um serial killer
As histórias de crimes reais, conhecidas como True Crime, sempre captaram o imaginário do público. Nos últimos anos, esse interesse se tornou ainda mais presente, através de livros, podcasts sobre casos criminais, além de séries, filmes e documentários dedicados ao assunto. Apesar de ser um tema um tanto mórbido, é fato que os crimes acontecem o tempo todo, em qualquer lugar, vitimando pessoas de todos os gêneros, idades e classes sociais. Há muitos anos consumo e me interesso por esse tipo de conteúdo, e posso dizer que poucos me afetaram tanto quanto o livro Eu Terei Sumido na Escuridão (Editora Vestígio, 352 páginas).
Na obra, Michelle MacNamara, que também tinha interesse por crimes reais ocorridos na área onde morava, passou a pesquisar com afinco uma série de casos ocorridos na Califórnia entre 1974 e 1986. Por mais de uma década, um criminoso sexual brutal, que nunca havia sido identificado, atacou e invadiu residências no norte do estado e violentou cerca de 50 pessoas, até se mudar de região para o sul, onde cometeu 10 assassinatos. Logo em seguida, seus crimes pararam e ele desapareceu. Com a trilha da investigação policial esfriando, ele conseguiu evitar sua captura por mais de 30 anos.
A autora utilizou sua experiência como jornalista investigativa para manter um blog sobre crimes, onde compartilhava atualizações de casos, e começou a se dedicar ao caso. Ela, inclusive, foi a responsável por cunhar o apelido pelo qual o criminoso viria a ser conhecido: Golden State Killer, ou o Assassino do Estado Dourado. Determinada a encontrar o predador, McNamara obteve os relatórios policiais dos crimes, entrevistou vítimas e familiares e passou a fazer parte de comunidades online que debatiam o caso.
A pesquisa da escritora resultou no livro, uma obra pesada, de difícil leitura pelo seu tema ser tão delicado e cruel. Mas ao mesmo tempo mostra a obstinação dela ao identificar o criminoso para que ele pudesse ser julgado e punido pelos crimes, e as vítimas pudessem encontrar alguma forma de conforto, mesmo após tantos anos de trauma.
No entanto, Michelle que tomava fortes medicações para ansiedade e transtorno do pânico, morreu de mal súbito em 2016, antes de concluir sua obra. O livro foi organizado e finalizado por seu marido e sua editora, e o resultado, talvez não é aquele que ela teria apresentado se tivesse a chance de concluir o manuscrito. Alguns trechos estão fora da ordem cronológica, e formam uma espécie de colcha de retalhos.
Mesmo sem poder acompanhar o sucesso de sua obra, a pesquisa feita pela escritora deixou uma marca. Ao retomar a pesquisa de forma unificada, ela localizou uma série de pistas que haviam sido deixadas para trás da primeira vez. Isso porque problemas de jurisdição envolvendo diversos departamentos policiais, nunca permitiram que uma investigação única fosse feita até então. O autor dos crimes foi detido em 2018, meses após a publicação do livro nos Estados Unidos. Michelle foi fundamental para que Joseph James DeAngelo fosse identificado por meio de testes de DNA, localizado e preso.
Além de finalmente colocar atrás das grades um terrível assassino que ficou impune por três décadas, e oferecer alento e paz às suas vítimas pela primeira vez, o legado da autora é talvez a forma como contou essa história com notável empatia. Ao ler, entendemos que ela se importa com essas vítimas, e sua busca pela justiça é motivada pelas pessoas afetadas por esses crimes. Para mais detalhes, recomendo ainda a série documental I’ll be gone in the dark, que retrata a história em sete episódios e mostra alguns desdobramentos após o falecimento da autora. A produção está disponível na plataforma HBO Max.
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