O domingo na casa dos meus avós é mais do que um dia. É um endereço para onde sempre quero voltar.
Acordo às 8h, um pouco mais tarde do que o normal, mas na casa dos meus avós o tempo é maleável, elástico. Não é o despertador que me chama, é o cheiro do café que invade o quarto e me faz abrir os olhos com um sorriso. Dormir aqui é como afogar minhas angústias em um fraco de óleo essencial de lavanda.
O silêncio de domingo é mais do que ausência de ruído. É um pacto de ternura. Meus avós cochicham na cozinha, e não por necessidade, mas por carinho. Respeitam meu sono como se fosse uma cerimônia.
A mesa já está posta. O bule com café fumegante, os pães que parecem selecionados com amor, bolos cremosos em potes coloridos, e o mamão… Ah, o mamão! Descascado, sem sementes, cortado em cubos perfeitos, uma declaração de amor não dita. Minha vó sabe que é meu bom dia
Na mesa, o primeiro tema se levanta antes do café esfriar: religião. O debate começa tímido, mas logo eu introduzo o tarô. A Carla, famosa cartomante da família, vira personagem da conversa. Contamos suas previsões certeiras e suas falhas quase poéticas. A mesa vira um tabuleiro de lembranças e crenças.
Quando alguns se levantam, ficamos nós três: eu, meu avô e minha avó. Agora o assunto é viagem, e a conversa se afunila nas malas. Elas resistiriam a mais uma jornada?
Minha vó é da equipe das novidades: malas novas, elegantes, vistosas. Quer exibir charme nas esteiras do aeroporto. Meu avô é da escola do conserto. Ele jura que ainda existe um sapateiro consertador de malas perto de casa, “um especialista, como ele diz”. Ela arqueia a sobrancelha e dispara:
— Esse lugar fechou nos anos 90. Vai dar um Google, só existe na sua imaginação!
Ele rebate, firmemente esperançoso. A discussão esquenta, mas é como um chá: forte, aromático, sem ferver. O debate termina sem conclusão, apenas risadas que preenchem os vãos da cozinha.
Ali, naquele instante, eles me ensinam que o amor é teimoso, mas nunca ruidoso. É feito de ceder e de segurar, de concordar em discordar e, ao final, de um beijo que sela tudo.
O domingo na casa dos meus avós é mais do que um dia. É um endereço para onde sempre quero voltar. É um lembrete de que a felicidade não mora em outro continente, mas numa cozinha modesta, onde as malas vermelhas talvez precisem ser consertadas.
Bom dia. Bom domingo.
Que o amor, como meus avós ensinam, seja sempre um ato.
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