O Anatomista (Editora Bertrand Brasil, 168 páginas) foi lançado em 1996 pelo escritor e psicanalista argentino Federico Andahazi
Uma obra situada no período da Renascença italiana, e que evoca um período de choque entre o obscurantismo e os progressos da ciência. O Anatomista (Editora Bertrand Brasil, 168 páginas) foi lançado em 1996 pelo escritor e psicanalista argentino Federico Andahazi. Se tornou um best-seller, ganhou prêmios e foi traduzido para mais de 30 idiomas. Mas nem esse sucesso todo impediu que o livro fosse cercado de controvérsias, e como o período que retrata, tivesse que enfrentar o conservadorismo e a ignorância.
Na narrativa seguimos a vida de três personagens principais, cujas vidas se cruzam na Pádua e na Veneza do século XVI. Mateo Colombo foi um médico, professor e anatomista real, que viveu na Itália e estudava o corpo humano, tendo feito diversas descobertas relevantes sobre o sistema circulatório e os olhos. Baseado nesta figura verdadeira, o escritor entrelaça a história e a ficção e apresenta personagens cativantes.
Mona Sofia, é uma cortesã famosa, com um passado trágico, tendo sido roubada dos braços de sua mãe e vendida quando ainda era criança a um estabelecimento de meretrício, foi obrigada a se tornar adulta muito antes do tempo para sobreviver. Aos 15 anos ela conhece muito mais do mundo do que pessoas mais vividas, e teve a oportunidade de estudar, e aprender grego e latim.
Já Inês de Torremolinos é a rica viúva de um marquês, que adoentada, luta para se recuperar para cuidar das filhas em uma sociedade extremamente machista.
Durante a leitura, encontramos Mateo no cárcere, vendo o mundo através de uma pequena janela. Descobrimos que ele foi preso acusado de satanismo, blasfêmia e bruxaria e está aguardando condenação da Inquisição, que pode o levar à morte na fogueira. Tudo por conta de uma descoberta científica que tentou divulgar. Apaixonado por Mona Sofia, e encarregado do tratamento de Inês, Colombo, assim como seu homônimo ficaria marcado na história por uma importante descoberta. Sua “América”, no entanto, não era um continente. Suas terras desbravadas estavam no corpo feminino: o Amor veneris, ou, como é mais conhecido hoje, o clitóris.
O anatomista acreditava existir uma poção ou parte da anatomia que seria a chave para o coração das mulheres, e que de posse dela, seria capaz de governar o amor e os desejos da amada que o rejeitou. Ao se deparar com uma descoberta tão revolucionária, achou por bem compartilhá-la com o mundo e com a comunidade científica, e por isso foi perseguido e acusado. Seu trabalho não serviria para trazer mais pessoas à servitude ou dinheiro, mas sim se defrontar com tabus religiosos – tão presentes ainda hoje – e subverter o papel feminino, dando às mulheres mais controle e poder sobre si mesmas.
A obra é curta, mas possui um grande impacto no leitor. Em poucas páginas é capaz de mexer com os conceitos e significados da sexualidade, da pesquisa científica e da religião. Andahazi mostra de forma exemplar a natureza e a condição feminina neste período após a Idade Média, onde as mulheres são culpadas por tudo e consideradas a origem de todo o mal e pecado. Seu retrato das casas de prostituição é brutal e vulgar, revira o estômago, mas não deixa de representar o sofrimento real de mulheres e crianças.
Ainda que a Renascença nos pareça um período radiante da história, de muitos avanços nas artes e nas ciências, também foi marcado pela repressão das mulheres, e a morte cruel de pessoas acusadas injustamente de feitiçaria. A leitura me lembrou da obra A Lição de Anatomia do Dr. Tulp, do pintor holândes Rembrandt, de um período onde o corpo humano era ainda um mistério a ser desvendado com choque e horror. Explorando esta parte da história, o autor não deixa de fazer um retrato contemporâneo, pois tudo que é abordado na história ainda ecoa hoje.
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