A busca irrefreada pelo conhecimento vale a pena quando ela não é guiada por humanidade? Essa é uma das perguntas que invadem a mente do leitor ao devorar Flores Para Algernon, de Daniel Keyes (Editora Aleph, 288 páginas).
Há muito tempo ouvia falar deste livro e tinha muita curiosidade por seu status como um dos clássicos modernos do século XX no gênero da ficção científica. O fato de não saber detalhes da história, fez com que a leitura me pegasse ainda mais de surpresa, então pretendo retribuir o favor ao não compartilhar muitos detalhes sobre a narrativa. Deixo aqui também o aviso a quem possa ter algum preconceito de gênero literário: nem toda ficção científica é composta por naves espaciais e batalhas estelares, há muito mais a ser encontrado nos volumes do tipo, e com este livro, certamente é o caso.
Basta dizer que na obra, somos apresentados a uma série de relatórios escritos pelo jovem Charlie Gordon. Um homem de 32 anos, com QI de 68 e grave deficiência intelectual, ele possui uma história familiar trágica e passa seus dias no trabalho em uma padaria, onde se sente acolhido e vê como amigos aqueles que o menosprezam e ridicularizam. Sua condição é tão limitada que não permite nem mesmo ver o quanto é maltratado pelas pessoas ao seu redor.
Tudo muda quando ele é submetido a uma cirurgia revolucionária que promete aumentar a inteligência. A cada página, testemunhamos a escrita de Charlie, que era simplória, rudimentar e carregada de erros, se tornar cada vez mais complexa, enquanto ele vai aprendendo e adquirindo mais e mais conhecimento. A ligação próxima que criamos com o personagem contando sua própria história torna impossível não se envolver com o destino dele.
Logo a benção da recém adquirida inteligência se mostra uma maldição: Charlie entende o nível de sua solidão e se depara com uma nova realidade.
Por trás do manto de sua ignorância, ele não via o quanto o mundo é cruel e problemático, mas após a operação isso se torna mais claro. Charlie chega a superar a inteligência dos próprios médicos que realizaram sua cirurgia. No entanto, os relatos passam a se tornar mais sombrios e pessimistas.
O autor constrói um personagem riquíssimo, em uma história sensível, complexa e que gera uma série de reflexões. Além de abordar o tema do capacitismo muito antes da criação do termo, levanta questionamentos extremamente atuais. Não há como esquecer do livro após a leitura, assim como não há como não se emocionar com Charlie e Algernon, o ratinho de estimação que foi a primeira cobaia do experimento cirúrgico.
A história foi publicada originalmente como conto em 1959, sendo transformada em romance em 1966 e é considerada o maior expoente na carreira de Daniel Keyes, vencedor dos prêmios Hugo Awards e Nebula. O livro já vendeu mais de 5 milhões de exemplares e é considerado uma referência nas escolas americanas.
A obra também foi adaptada para outras mídias, sendo levada aos palcos da Broadway na peça de teatro Charlie e Algernon (1978) e também servindo de inspiração para o filme Os Dois Mundos de Charly, de 1968, que rendeu um Oscar de Melhor Ator para Cliff Robertson. Atualmente, o filme não está disponível em nenhum serviço de streaming, mas há versões mais recentes feitas na França e no Japão que são mais fáceis de encontrar.
Flores para Algernon me trouxe aquela sensação de torcer muito por um personagem e sofrer de forma antecipada por não achar que a história terá um final feliz. Os vieses filosóficos evocados por essa história são suficientes para encher páginas de teorias. Fico feliz por ter entrado na leitura sem saber de mais detalhes.
Como uma pessoa que sempre valorizou o estudo, o conhecimento e a inteligência, foi um baque reconhecer em Charlie aquela arrogância inevitável das pessoas que foram longe demais, conquistando tanta sabedoria que perderam no caminho um pouco da própria humanidade. O livro incentiva a busca por um saudável equilíbrio: claro que a ignorância não é uma benção, o conhecimento é importante, mas a simplicidade também ocupa um papel importante em nossas vidas.
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