Entrevista

Disciplina militar, foco na tecnologia e vontade de trabalhar: quem é o novo delegado regional

Publicado em: 09 de abril de 2025 às 07:00 Atualizado em: 09 de abril de 2025 às 07:04
  • Por
    Cristiano Silva
  • Jader Ribeiro Duarte é o novo delegado regional | Foto: Cristiano Silva
    compartilhe essa matéria

    Jader Ribeiro Duarte concedeu entrevista à Arauto e falou sobre combate às facções, lavagem de dinheiro, crimes cibernéticos e até a relação com a Brigada

    Os ensinamentos e a disciplina aprendidos na turma Bento Gonçalves, formada em 1984 no Colégio Militar de Porto Alegre, são trazidos para a vida e o trabalho do novo delegado regional Jader Ribeiro Duarte, 61 anos. E se alguém tem dúvida sobre a referência, basta olhar para o característico boné camuflado. “Não sai do sangue”, diz ele.

    Natural de Pelotas, trabalhou em mais de 20 municípios do estado. Foi diretor de divisão no Departamento Estadual de Investigações Criminais (Deic), em Porto Alegre, e possui formações do FBI e da Agência Brasileira de Inteligência.

    Em 1º de fevereiro de 2019, passou a trabalhar em Carazinho, primeiro atendendo a Delegacia de Polícia de Pronto Atendimento (DPPA) e depois como titular da 28ª Delegacia de Polícia Regional do Interior (28ª DPRI).

    Em 15 de fevereiro de 2024, assumiu a 27ª DPRI, com sede em São Luiz Gonzaga, onde ficou até a última segunda-feira (7), quando passou a chefiar a 16ª Delegacia de Polícia Regional do Interior (16ª DPRI) com sede em Santa Cruz do Sul.

    Nesta terça-feira (8), logo após seus primeiros atos na região, acompanhando a Delegacia de Repressão às Ações Criminosas Organizadas (Draco) e a 1ª Delegacia de Polícia (1ª DP) em ofensivas de combate aos furtos de veículos e estelionato, Jader concedeu longa entrevista ao Portal Arauto, detalhando o seu perfil e explicando quais vão ser as diretrizes do seu trabalho daqui para a frente.

    Portal Arauto – Como o senhor tem se ambientado na cidade nesses primeiros dias?

    Delegado Jader – É um prazer trabalhar em uma cidade como Santa Cruz do Sul, com policiais de alta qualidade. Acredito que podemos fazer um trabalho bonito e melhor. E digo isso porque o delegado Luciano Menezes continua conosco e eu venho a me somar nesse grupo. Queremos manter tudo que é feito de bom, e trazer novas ideias, para que a Polícia Civil continue esse trabalho de credibilidade junto aos outros órgãos de segurança, em manter a cidade nesse padrão de qualidade de vida que tem Santa Cruz, como uma pedra preciosa a ser protegida.

    Onde o senhor trabalhou anteriormente e o que encontrou em termos de organização na 16ª DPRI?

    São quase 30 cidades já, e esta é a 12ª região policial que trabalho. Atuei na região de Porto Alegre e pelo interior todo, desde Garruchos até o Chuí. Enfrentei desafios de cidades com dificuldades muito grandes, e aqui é uma novidade. Encontrei uma cidade que já está organizada, com baixos índices criminais, efetivo muito bom, estrutura, todos os recursos, que pode seguir com esse trabalho e incrementar com novas ideias para manter essa pedra preciosa do Rio Grande do Sul que é Santa Cruz do Sul.

    Tivemos mudanças na delegacia regional, 1ª DP e DPCA. Qual a sua participação na decisão dessas alterações?

    As pequenas mudanças que ocorreram já foram decididas antes da minha chegada aqui pela Chefia de Polícia e o Departamento de Polícia do Interior. A partir de então, qualquer mudança que ocorrer terá o meu aval ou opinião. Não vamos perder nenhum delegado, sequer o Luciano vai embora. Ele já está trabalhando, gosta de ser policial, é um amigo que tenho, e me recebeu de braços abertos. Santa Cruz ganhou agora com mais um delegado que quer trabalhar muito.

    Temos lideranças do tráfico que comandam de dentro do presídio as movimentações de seus subordinados na rua. Como agir para combater esses grupos criminosos?

    Essa é uma dificuldade que o sistema judiciário brasileiro enfrenta. Criminosos com mais de 100 anos de cadeia, de dentro do presídio, tem contato com a rua e coordenam a violência e a manutenção do sistema de facções. Nesse caso, deve-se fazer um investimento para tentar colocar bloqueadores de celular nos presídios, pois assim se isola e perde totalmente o comando da facção. É algo viável do ponto de vista técnico, como temos na Pecan e nas penitenciárias federais. E este é o caminho de todo o sistema penitenciário brasileiro, o controle das telecomunicações. Nós entendemos que é muito necessário, e vai auxiliar muito na medida em que quando prende, prende mesmo, e quando isola, isola mesmo. Então, por mais que tenhamos estratégias de rua, façamos as ações, apontamos os envolvidos, e fizemos a conexão do líder com os fatos delituosos, do ponto de vista prático isso muda muito pouco. Na medida em que um criminoso tem 60, 70 anos de cadeia, hoje não faz diferença nenhuma alguma responsabilização a mais para ele. Ele quer continuar fazendo pelo poder, para manter a família aqui fora, receber dinheiro pra comer melhor lá dentro. Então, para ser efetivo, precisamos que a tecnologia impeça e faça o distanciamento efetivo desse criminoso.

    Dos tentáculos do crime organizado, um dos mais latentes é a lavagem de dinheiro. Como trabalhar para identificar essas ações e repreender na lei?

    Sobre a região ainda não posso falar, porque não tenho o conhecimento do que foi feito e a dimensão do problema. Mas a polícia como um todo trabalha bem isso, foca na retirada de bens, desmuniciando financeiramente as facções. E tem funcionado. Os valores que a polícia consegue retirar a mando do crime organizado são muito grandes. São milhões, talvez bilhões. A Polícia Federal faz muito bem isso e as polícias estudais estão se qualificando pra isso, com delegacia específica para lavagem de dinheiro. É uma maneira de enfraquecer o crime organizado. Vamos dar continuidade a isso, e é uma coisa que o dia a dia está nos empurrando, para que cada região tenha um trabalho especializado nisso.

    Vivemos em uma era dos golpes. Nas delegacias físicas e nos registros online é o delito com mais demanda. Como tentar agir para combater os estelionatários?

    O crime cibernético talvez seja o que mais nos dê problema hoje, em termos de volume de registros. Se a gente observar, os criminosos que atuavam com violência migraram para o golpe. Hoje é muito mais fácil conseguir R$ 50 mil, R$ 100 mil através do celular, do que pegar um fuzil e enfrentar a polícia, com delitos que têm penas maiores. Eles foram estimulados através da tecnologia que veio para ajudar, mas foi desvirtuada para o crime. O movimento é muito grande dentro dos presídios, e eles aplicam toda uma série de crimes, desde o golpe dos nudes, falsos sequestros e acesso a contas bancárias. É preciso criar uma tecnologia que impeça isso, com sistema de segurança. É uma situação que exige especialização e a polícia está na fase de se organizar pra isso. Somos empurrados a uma nova realidade. A tendência é que tenhamos uma polícia cada vez mais especializada nesse ramo, pois a maioria dos casos infelizmente fica sem solução, tamanha facilidade que se aplica o golpe. Não tenho rede social, mas já fizeram tudo falso no meu nome uma centena de vezes, exigindo dinheiro para encerrar eventuais investigações. Esse mundo moderno de acesso a tudo trouxe muitas vantagens, mas também um caminho para o crime funcionar e temos que nos adaptar a isso.

    Ao longo de anos, os atritos entre as polícias civil e militar geraram alguns desentendimentos na região. Qual a visão do senhor sobre o trabalho integrado entre as forças de segurança?

    Eu sou suspeito para falar, pois tenho curso de formação de oficial e curso de aperfeiçoamento da polícia militar. Sou o único delegado do estado a fazer o curso em que os capitães são promovidos a major na Academia de Polícia Militar. Tenho uma simpatia muito grande pelo trabalho da Polícia Militar, e por onde passei ganhei condecorações da Brigada, tendo alguns brigadianos que são quase meus irmãos. Gosto muito e acho que não vou ter dificuldade nenhuma na relação. Vou lá conhecer o novo comandante e aqui vão ter portas abertas na delegacia. Não interessa pra mim, nem pra eles, muito menos pra sociedade, que haja qualquer divisão.