É tempo de despir-se das roupas sujas e apertadas das ideologias que cegam e fazem tratar os outros como concorrentes e inimigos
A diocese de Santa Cruz do Sul abre suas portas para acolher a 47ª Romaria da Terra do Rio Grande do Sul, na terça-feira de carnaval (4 de março próximo). Há quase 50 anos, cristãos e agentes sociais se reúnem ecumenicamente para celebrar a memória do líder indígena Sepé Tiaraju e resgatar sua luta por uma terra repartida, habitável e sem males. Desta vez, a cidade de Arroio do Meio acolherá os romeiros vindos de todo o estado.
A escolha do lugar para este encontro de fé, solidariedade e esperança não é arbitrária. A diocese de Santa Cruz foi uma das mais atingidas pelos eventos climáticos extremos que se abateram sobre o Rio Grande do Sul em setembro de 2023 e maio de 2024. E Arroio do Meio é a região que mais sofre com estas catástrofes, em parte, frutos der um projeto econômico insustentável e da irresponsabilidade humana.
No Vale do Taquari, os clamores das pessoas e comunidades atingidas ainda ressoam, mesmo que abafadas pelo rumor da reconstrução. As lágrimas pelas perdas humanas, culturais e econômicas continuam brotando, mesmo sem a visibilidade de antes. A terra desnudada e os rios assoreados seguem expondo suas feridas e convocando-nos a tratá-los como irmãos e irmãs, e não como fontes de lucros e cloacas de dejetos.
A deterioração das condições de vida da Casa Comum e seus habitantes não é obra do acaso, nem vontade de Deus. Deus selou uma aliança com Noé, sua família e todas as criaturas, assegurando que dele não viria nenhuma destruição (cf. Gn 8,15-22). Esta aliança foi ratificada e renovada em Jesus Cristo (cf. Lc 22,20). Neste horizonte, as dores da terra deveriam ser dores de parto, de nascimento, e não de destruição (cf. Rm 8,22).
Como sujeitos dotados de razão e responsabilidade e, mais ainda, como discípulos e discípulas de Jesus Cristo, não podemos fechar os olhos diante de tudo o que está acontecendo ao nosso redor: as “catástrofes ambientais”; as agressões violentas ao meio ambiente; a desumana indiferença diante dos empobrecidos e outros vulneráveis; e também, os generosos movimentos de socorro solidário e de produção sustentável.
“Reconstruir a Casa Comum com fé, esperança e solidariedade” é o repto que nos guiará nesta romaria. Sonhamos com um encontro entre a Igreja sofrida, que ainda chora a dor de perdas irreparáveis, e a Igreja solidária, que não se nega a repartir recursos, estender a mão e pisar na lama para socorrer seus irmãos e irmãs; um verdadeiro encontro samaritano entre vítimas e socorristas. Esta não é uma “procissão das criaturas”, mas uma peregrinação de quem se empenha por uma terra habitável e para todos.
Você é convidado a participar desta celebração da paixão e páscoa de Jesus na via sacra da Casa Comum e seus habitantes. Tocar as chagas abertas por um projeto econômico predatório; e a apertar a mão das pessoas que você ajudou generosamente sem conhecer. É tempo de despir-se das roupas sujas e apertadas das ideologias que cegam e fazem tratar os outros como concorrentes e inimigos. Soou o sinal anunciando a hora de vencer o consumismo predatório que anestesia diante da urgência de fazer tudo para entregar às novas gerações um mundo habitável e um estilo de vida sustentável.
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