Colunista

Eduardo Wachholtz

Municipalizar ou não municipalizar: eis a questão

Publicado em: 04 de fevereiro de 2025 às 08:00
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Faz sentido assumir uma responsabilidade que caberia ao governo federal?

Depois de uma reunião recente no Palacinho, o debate sobre o retorno do trecho municipalizado da BR-471 à gestão federal ganha espaço em Santa Cruz do Sul. Como a própria sigla sugere, a rodovia, que começa no entroncamento com a RSC-287 e segue em direção a Rio Pardo, Pantano Grande e outros municípios, era de responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit). No entanto, em 2014, por decisão dos gestores da época, a Prefeitura assumiu a responsabilidade pelos investimentos, reparos e fiscalizações no trecho de nove quilômetros, entre o Gaúcho Diesel e o Distrito Industrial.

Independentemente da bandeira partidária, há argumentos tanto para defender quanto para criticar a municipalização. Uma das justificativas para a escolha de Telmo Kirst à época foi a importância estratégica da BR-471 para Santa Cruz. Além de sua conexão com a RSC-287, principal rodovia do Vale do Rio Pardo e via de acesso à Grande Porto Alegre, a BR-471 também liga a Zona Sul de Santa Cruz ao centro da cidade e facilita o deslocamento de moradores de Vera Cruz que trabalham no município. A rodovia corta Santa Cruz e é quase que impossível imaginar a mobilidade urbana sem ela.

Caso permanecesse sob gestão federal, é possível que operações tapa-buracos e obras de recuperação levassem mais tempo para serem executadas, por conta da já conhecida morosidade dos entes estadual e federal. Além disso, a administração municipal, por estar mais próxima dos problemas da sociedade e sofrer pressão direta da população, possui um conhecimento mais detalhado das demandas locais. No entanto, é preciso evitar uma idealização incondicional da municipalização de serviços públicos. O que importa não é apenas quem administra, mas como se administra a rodovia.

De fato, grande parte da população tem dificuldade em diferenciar as competências de cada ente na prestação dos serviços públicos. Município, estado e governo federal compartilham responsabilidades, e, muitas vezes, moradores de Santa Cruz cobram dos secretários municipais ou do chefe do Executivo ações que, legalmente, não são de competência do município. Diante da pressão política, as lideranças acabam buscando o caminho mais rápido e acessível, um fenômeno que não se restringe a Santa Cruz. É fundamental que a população compreenda o papel de cada instância do Estado – entendido como o conjunto das estruturas institucionais – para saber a quem direcionar suas cobranças de maneira eficaz.

A municipalização de serviços públicos deve ser encarada com cautela. Embora possa trazer benefícios ao aproximar a gestão das necessidades locais, a efetividade depende de reformas estruturais que garantam transparência e eficiência. Um ponto de preocupação é o impacto financeiro nos cofres municipais. Muitos municípios brasileiros têm baixa arrecadação própria – proveniente de impostos como IPTU e ISS – e dependem de repasses estaduais e federais, como o FPM e o ICMS. Dados da Secretaria do Tesouro Nacional de 2023, que abrangem 4.616 prefeituras, mostram que 51% dos municípios operaram com déficit primário, ou seja, gastaram mais do que arrecadaram. Em Santa Cruz, a administração municipal tem anunciado cortes em diversas secretarias para buscar equilíbrio fiscal.

Nesse cenário, faz sentido assumir uma responsabilidade que caberia ao governo federal? Não seria mais eficaz mobilizar forças políticas para cobrar do responsável original pelos serviços? A municipalização pode parecer a solução mais ágil ao colocar a administração da rodovia sob gestão local e reduzir a burocracia. No entanto, essa deve ser a exceção, não a regra, como tem sido observado. No ano passado, lideranças políticas solicitaram a municipalização da ERS-409 – rodovia que dá acesso ao Lago Dourado e que atualmente está sob gestão estadual. A justificativa para a mudança foi a falta de acostamento. É mais um caso que reforça a necessidade de mobilização política antes de recorrer à municipalização.

Assumir novas responsabilidades exige um aumento proporcional de recursos, o que pode sobrecarregar os cofres municipais. Estima-se que a manutenção do trecho urbano da BR-471 custe cerca de R$ 30 milhões. Para fins de comparação, o projeto da Emei de Linha João Alves, com capacidade para aproximadamente 200 crianças, estava orçado em R$ 3 milhões. Seguindo com esse exemplo, ao assumir a responsabilidade por uma rodovia federal, a administração municipal poderia deixar de construir dez unidades de ensino infantil. Para que os municípios exerçam plenamente sua autonomia dentro do pacto federativo, é fundamental que possuam uma base financeira sólida e sustentável. Sem isso, a municipalização pode deixar de ser uma solução para se tornar um problema.