Colunista

Lucas Dalfrancis

Vida de Lupa

COLUNA

Pane noite adentro

Publicado em: 30 de outubro de 2024 às 15:54 Atualizado em: 11 de novembro de 2024 às 16:03
compartilhe essa matéria

Acordei com o corpo pesado, uma ressaca que não era só do sono perdido, mas daquele tipo de exaustão que esgota até o humor. Ontem à noite, em uma daquelas ideias impulsivas, resolvi sair para comprar plantas para o jardim. Dez da noite. Um horário estranho, eu sei, mas tem um centro de distribuição que só abre nesse horário e, no fundo, eu gostei da ideia de dirigir por uma São Paulo à luz da lua.

Mas São Paulo não se deixa enganar; mal entro numa das avenidas e o carro, recém-saído da revisão, simplesmente apaga. Silêncio. Aquela pausa fria e inesperada. E, ali, no meio do nada e no meio de tudo, o carro decidiu não responder. Eu e o Thiago ficamos num misto de choque e tensão, sozinhos, rodeados por um trânsito impaciente.

Tentamos de tudo, reviramos os cabos, apertamos os botões, quase imploramos em voz baixa para ele pegar de novo, mas nada. Ligamos o pisca alerta, cruzamos a avenida para um lugar mais seguro, e ficamos lá, observando de longe, como quem espera algo que não sabe se virá. São Paulo à noite é bela e cruel, aquele tipo de cidade que te acolhe e te assusta ao mesmo tempo. E enquanto o carro bloqueava uma faixa, o trânsito fazia sua parte: buzinas impacientes, faróis piscando, mas também gente que parava, perguntava, tentava ajudar. Essa mistura de gentileza e exasperação, de pressa e empatia, é uma das coisas mais inexplicáveis de se viver aqui.

E o seguro, ah, o seguro! Pagamos todo mês, mas na hora do aperto, vem aquela resposta protocolar, como se eu estivesse pedindo um favor. “Logo um parceiro aceitará sua demanda”, a mensagem me avisa. Parceiro! Ali, no meio de um problema que nem deveria estar acontecendo, o que eu precisava era de socorro, não de um “parceiro” fazendo hora.

O guincho, finalmente, chegou. Mas, com o carro elétrico, a coisa não foi fácil. Foi um “vamos lá”, um “puxa daqui”, “força dali”, até que, aos trancos, o carro foi subindo. Chegamos em casa depois da meia-noite. Cansados, frustrados, mas aos risos. E eu só queria uma ficus-lyrata, uma planta para alegrar a sala. Só isso.

Já em casa, com a adrenalina e a raiva se dissolvendo, pedi um hambúrguer. Uma tentativa de consolo barato, mas eficiente. Às vezes, a gente encontra afago onde menos espera. E pensei: um dia a gente vai aprender a tratar os ódios do cotidiano com terapia e não com batata frita, mas, sinceramente, ontem não era esse dia.