As crianças nos oferecem lições todos os dias. Por vezes, nossos olhos adultos e cheios de razão nos limitam a enxergá-las. Precisamos, também, olhar por outras perspectivas.
Na nossa vida, nunca faltou nada. Tivemos, meu marido e eu, o privilégio de nascer em lares estruturados. Não de riqueza financeira, mas de família. Nossos pais foram exemplo de trabalho, de abrir mão de muita coisa em favor de uma vida melhor para os filhos, de fé, em Deus e no futuro. Nunca faltaram comida, brinquedos, conforto e aconchego necessários, ainda que sem luxos. Se nada faltou, sobrou, por parte deles, luta para nos dar uma boa educação em casa e na escola e valiosos exemplos.
Com nossa filha, entendemos que deveríamos repetir os ensinamentos que recebemos, a nossa base, sólida, como seres humanos. Valores. Entendemos que oferecemos a ela atenção, carinho, cuidado, uma vida confortável, sem preocupações e, muitas vezes, facilitamos até demais (aqui faço um total mea culpa).
Um dia, há mais de ano, levamos a pequena a uma volta pela periferia, por lugares carentes de muita coisa. Queríamos que ela visse como a vida é, como a vida pode ser. Não sei se era para ser do contra – uma vez que falávamos das dificuldades pelas quais aquelas pessoas passavam – ou porque seus olhos buscavam alguma imagem de alento no meio da pobreza, mas ela teimava em apontar os carros nas garagens e outras coisas positivas que tentava enxergar.
Na época, fiquei um pouco sentida com essa visão dela. Talvez hoje eu veja diferente.
Por iniciativa da escola em que ela estuda, os alunos fizeram cartões que foram acompanhados de bombons para alegrar mães – e filhos – afetados pela enchente. Ela foi entregar estes mimos e ver, mais uma vez, a dureza da vida, desta vez de quem perdeu muito, de quem perdeu tudo.
Mais uma vez, ela viu tristeza, ela abraçou e recebeu abraços, mas preferiu nos contar que as pessoas lá precisavam de muito sim, mas que estavam bem, estavam seguras e tinham um lugar para ficar, tinham coberta, tinham algum brinquedo, tinham comida e tinham uns aos outros.
Entendi, então, que a questão não era minimizar ou ignorar o sofrimento, mas apenas ver o outro lado. Não enxergar apenas o que falta. Talvez tenha sido isso que ela tenha nos mostrado anos atrás naquela incursão, com olhos ainda puros de criança, por mais que a vida real quisesse se mostrar. O jeito de olhar muda tudo.
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