Assim começa o dia: deveria ter me levantado mais cedo. Não deveria ter comido o que comi ontem. Deveria ter feito uma corrida antes de ir para o trabalho.
Assim começa o dia: deveria ter me levantado mais cedo. Não deveria ter comido o que comi ontem. Deveria ter feito uma corrida antes de ir para o trabalho. Deveria ter lavado o cabelo, que está todo amassado. Deveria ter adiantado aquele trabalho que eu preciso entregar hoje. Deveria ter respondido aquela mensagem da minha tia. Deveria ter marcado consulta no dentista. Deveria ter sido mais rápida com tudo. Deveria ter me deitado mais cedo.
Eu não sei vocês, mas raro é o meu dia que não começa com uma lista de culpas e com uma vontade quase irresistível de permanecer na cama por mais umas sete horinhas. Culpa e exaustão. Que combinação tóxica, meu Deus. Será que essa é uma epidemia que contagiou a maioria das mulheres do século 21? Será que já era assim antes? Ou será que estamos fazendo tudo errado?
Prestamos atenção na nossa alimentação. Há deslizes, é claro. Há dias em que é deslize atrás de deslize, não tem jeito. Mas, de um modo geral, nos preocupamos com aquilo que nos nutre. Só que, por outro lado, permitimos – até sem muito questionamento – que nosso corpo e nossa mente sejam brutalmente invadidos todos os dias pelo cansaço e pela angústia que pairam em torno dele. De que adianta o maracujá orgânico se nosso coração bate acelerado pela pressa e nosso estômago grita por conta do estresse?
Exigem tudo de nós: o sucesso profissional, o “sucesso” na vida afetiva, o corpo perfeito e inatingível, filhos (mesmo para aquelas que não querem tê-los), uma maternidade exemplar (se é que isso existe), um comportamento social “adequado para uma mulher” a casa ideal, a pele ideal, o cabelo ideal e um ininterrupto sorriso no rosto, dizendo que está tudo bem, que estamos sobrecarregadas, mas que, sim, NÓS DAMOS CONTA DO RECADO, porque somos MULHERES INCRÍVEIS.
Mas, peraí. Eu não quero ser uma mulher incrível. Eu quero ser uma mulher VIVA. Uma mulher feliz. Uma mulher sem distúrbios do sono, sem crises de ansiedade, sem uma angústia incessante sobre a própria imagem, sem remédios para gastrite na bolsa, sem choro trancada no banheiro, sem uma dúvida constante sobre a necessidade de colocar botox, sem um medo perene de que meu casamento seja ameaçado pela minha carreira, sem o sufoco de um relógio biológico que corre atrás de mim com uma foice, sem a pressão social para ser mãe, sem ter que levantar minha voz diariamente no trabalho para ser ouvida, sem o medo constante de perder meu emprego se eu engravidar, sem o pavor de ser vítima de violência sexual quando ando na rua à noite, sem ter que travar uma batalha diária para me manter simplesmente em pé.
Existe uma glamourização do cansaço. Existe uma gigantesca cilada que nos diz que ser incrível é uma coisa boa. Não é. Coisa boa é ser crível. Ser verdadeira, humana, de carne e osso, cheia de defeitos, imperfeições e falhas. Coisa boa é saber aceitar o fato de que nunca alcançaremos essa porcaria desse sucesso 360 graus que inventaram que nós temos que ter. É humanamente impossível conciliarmos tudo o que nos pedem para conciliar. E, mais do que impossível: é desnecessário.
A pressão que foi despejada em cima de nós, mulheres do século 21, faz com que vivamos constantemente no limite. E o nervosismo que decorre disso nos traz a célebre fama de “mulher chata”. Não, minha querida. Você não é chata. Você só está exausta. Porque te convenceram de que você deveria ser uma super-heroína, que dá conta de tudo e ainda tem coxas sem celulite dentro de um shorts justo tamanho 36. Não tem como. E nem precisa ter. Você não precisa ser incrível. Basta que você seja de verdade e que a sua verdade te faça feliz.
Autora: Ruth Manus