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Lucas Dalfrancis

Vida de Lupa

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Não sofreis mais

Publicado em: 30 de dezembro de 2024 às 09:53
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O sofrimento é o único bem que não nos falta. Ele nos nasce junto, como um irmão gêmeo que nunca sai do berço. Está nas dobras do dia, na espessura do tempo, nos silêncios das madrugadas que carregam as nossas perguntas sem resposta.

E a gente vive assim, tentando domar o indomável, enquanto ele nos atravessa feito faca cega. Sofremos por aquilo que perdemos, por aquilo que não tivemos, por aquilo que ainda sonhamos. Somos especialistas em acumular ausências.

Sofremos porque a morte nos toma quem amamos. Mas, no fundo, é a vida que nos trai, nos deixando aqui, sobreviventes de uma guerra diária contra a finitude.

Sofremos porque os filhos não são extensões nossas, porque nos substituem pela ousadia de terem sonhos próprios. Sofremos porque, no fundo, queríamos cloná-los, para que fizessem o que não fizemos. Chamamos de amor o que muitas vezes é só controle.

Sofremos por migalhas de reconhecimento, porque o aumento nunca vem, porque ninguém enxerga o quanto doemos para caber nesse mundo. A dor da invisibilidade queima mais que a falta de dinheiro.

E sofremos por coisas que parecem pequenas até nos atingirem em cheio. Pelo time que perdeu, pela samambaia que secou na sacada. E também por coisas que ninguém deveria ter que suportar — pela traição que nos arranca o chão, pela promessa quebrada, pela confiança despedaçada. A dor não é culpa de quem sofre, mas de quem inflige. Ainda assim, é quem sente que carrega o peso.

Talvez o pior sofrimento seja esse: o que assumimos dos outros. Recolhemos os cacos alheios, encaixando-os em nós como peças de um quebra-cabeça que nunca será completo. A dor do outro se torna nosso norte, nosso altar. E a vida se esvai, porque a dor emprestada é ainda mais pesada do que a nossa.

Vivemos ajoelhados diante de uma estátua invisível chamada “sofrer”. Sofremos pelos que foram, pelos que ficaram, pelo passado que nos arrasta como âncora e pelo futuro que já imaginamos perdido. Não andamos; arrastamos as correntes de tudo o que poderia ter sido.

Mas viver é outra coisa.

Sofrer é inevitável, mas insistir no sofrimento é escolha. Uma escolha cruel, porque o sofrimento não constrói nada. Não devolve ninguém, não faz chover sobre a samambaia morta, não transforma traições em fidelidade, não emagrece, não cura.

O sofrimento nos entorta. Ele seca o corpo, apaga os olhos, rouba o que poderia ter sido nossa revolução particular. Ele nos convence de que parar é mais seguro do que arriscar.

Mas você pode escolher: largar o sofrimento ou deixar que ele te enterre vivo.

Levante. Olhe-se no espelho. Você tem uma única chance. Faça das suas feridas asas, e não âncoras. Reaprenda a viver em 2025. Mas, desta vez, de verdade.

Porque morrer é triste.
Mas viver morto é ainda pior.