Sonhos são únicos. Não dá para transferir. O que é pequeno para mim pode ser gigantesco para quem eu amo, e tudo bem
Sempre achei que sabia amar. Que sabia expressar, oferecer, entregar. Afinal, amor é isso, não é? Um presente bem pensado, uma surpresa inesquecível, algo digno de um filme bonito. Mas foi com minha mãe que aprendi que o amor, quando é de verdade, não tem cenário. Ele só precisa ser simples.
Por anos, dei à minha mãe o meu Natal — não o dela.
Certa vez, fiz uma permuta com um spa e levei minha mãe para viver um dia que, para mim, era o auge da paz: massagem relaxante, banho com sais de lavanda, música ambiente de flauta doce. Um paraíso — ou pelo menos era o que eu imaginava. Quando saímos, ela sorriu amarelo, me agradeceu, mas aquele sorriso não chegou aos olhos. Não havia ali nenhuma emoção arrebatadora, como eu esperava. Ela não me culpou por nada, eu sei, mas fiquei decepcionado, como se ela não tivesse entendido o tamanho do meu gesto.
No ano seguinte, tentei de novo. Uma viagem pelo litoral do Rio. Paraty, pôr do sol refletindo no mar, jantar em um restaurante premiado. Já imaginei lágrimas, palavras bonitas, um momento mágico. Mas, ao sentar à mesa, ela olhou o cardápio, me olhou de volta e disse:
— Filho, leva qualquer coisa simples pra gente comer no hotel?
Na hora, senti um nó na garganta. Achei que ela não valorizava o meu esforço. A verdade é que minha mãe nunca foi ingrata. Eu é que fui arrogante. Dei a ela o que me emocionava, e não o que tocava o coração dela.
Eu queria que ela amasse o que eu amo. Queria encaixá-la no meu jeito de ver a vida, como se o amor dependesse de concordar, de sentir igual. E ela só queria ser respeitada no que é. Porque amor também é aceitar que o outro tem sonhos diferentes dos nossos.
Nesta semana, a dez dias do Natal, minha mãe comentou casualmente que queria comprar um forno elétrico. Era o “sonho” dela, e eu ri por dentro, sem entender como um pedaço de metal podia ser digno dessa palavra. Mas enquanto ela contava sobre as receitas que faria e sobre como juntaria uns trocados para alcançar essa conquista, percebi algo: ela não estava falando de um forno. Estava falando de felicidade.
Comprei o forno, pus uma touca de Papai Noel, entrei cantando desafinado — “Jingle Bells, Jingle Bells” — como se fosse a própria Mariah Carey. Ela veio da cozinha, enxugando as mãos no avental, e me viu no meio da sala, segurando o sonho. O forno.
Minha mãe chorou. Chorou como criança, com soluço e tudo. Era como se o Menino Jesus tivesse entrado pela janela, numa tarde de verão, no meio daquele silêncio que só existe em casa de mãe. Ela encostou o rosto no forno, como quem encosta o rosto num sonho quente.
— Filho, você realizou o meu sonho.
E, naquele instante, o Natal coube inteiro dentro de um eletrodoméstico. Porque o amor é isso: ele cabe no que a gente não vê.
Ali, abraçado à minha mãe, entendi três lições que a gente demora uma vida inteira para aprender:
Primeiro, que o amor é simples. Não precisa de pompa nem artifício.
Segundo, que não existe ingratidão — o problema está nas nossas expectativas infladas, nunca no outro.
E terceiro, que sonhos são únicos. Não dá para transferir. O que é pequeno para mim pode ser gigantesco para quem eu amo, e tudo bem.
Minha mãe me ensinou, sem querer, o que é amar de verdade. Não é o tamanho do gesto. É o tamanho do respeito. É ouvir. É entender. É saber que, às vezes, o maior presente do mundo não vem com laços dourados: vem com cheiro de bolo recém-assado, saindo de um forno elétrico que custou menos do que uma viagem, mas valeu o peso de um sonho.
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