Colunista

Moacir Leopoldo Haeser

O poder do juiz

Publicado em: 23 de abril de 2025 às 15:55
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Um dos conselhos que ouvi de meu pai é que o Juiz não deve usar todo o poder que tem pois, em algum momento, pode precisar realmente usar e descobrir que já não o tem mais

Meus primeiros passos nas letras sofreram muita influência da Revista Seleções do Reader’s Digest. Na casa do meu avô, quando se retornava da lavoura, era costume sentar-se à sombra dos cinamomos, após o almoço, cada um com um livro nas mãos. Todos os tios liam seleções.

Em dias de chuva eu e meus irmãos brincávamos de folhear as revistas, “ganhando” os objetos que apareciam nas gravuras do lado da página escolhida.

Aos poucos fomos lendo as piadas que apareciam no rodapé da página, depois os “flagrantes da vida real” e “rir é o melhor remédio”. Finalmente passamos a ler os artigos de fundo. Entre os meus preferidos estava “seja você o juiz” em que se tentava adivinhar como o Juiz Americano havia decidido um caso complexo.

Na hora do chimarrão, em nossa casa, invariavelmente a conversa era desviada para questões jurídicas. Meu pai, um modesto oficial de justiça, comentava sobre questões forenses, atuação de advogados e Promotores e decisões judiciais.

Nos julgamentos pelo Tribunal do Júri eu dava um jeito de espiar pela fresta da porta de entrada os debates entre acusação e defesa.

Foi normal, portanto, quando tive a oportunidade, de cursar a faculdade de Direito em Santa Cruz do Sul, já chegando com um bom vocabulário jurídico.

A influência de bons professores Juízes de Direito, já no ginásio e no curso comercial, demarcou o caminho inevitável para a magistratura em rigoroso concurso.

Um dos conselhos que ouvi de meu pai é que o Juiz não deve usar todo o poder que tem pois, em algum momento, pode precisar realmente usar e descobrir que já não o tem mais.

Um Juiz pode tirar o filho de alguém, afastar um marido de casa ou tirar-lhe a própria casa. Seu poder é enorme. Exerce uma parcela da soberania antes cabível apenas ao imperador, que resolvia pessoalmente os conflitos. Se exorbitar de seu poder, pode causar um dano enorme até ser neutralizado.

Ele exerce a jurisdição dentro de áreas de competência que lhe são atribuídas. Se necessário ouvir uma testemunha ou praticar algum ato fora de sua comarca, precisa expedir uma “carta precatória” ao juiz da outra comarca para que pratique esse ato.

O formato da carta é cheia de mesuras e frases elegantes, solicitando ao colega a prática do ato solicitado, colocando-se ao inteiro dispor do colega para devolver a gentileza “quando deprecado for”.

Se o ato necessário ao andamento do processo deva ocorrer em outro País, há a necessidade da expedição de uma “Carta Rogatória” solicitando a prática do ato. Esta deve ser traduzida para a língua daquele País e encaminhada ao Ministério da Justiça. Após o exame de sua regularidade, deve ser encaminhada ao Ministério das Relações Exteriores, a quem compete o contato com o Ministério do outro País. Lá a carta fará o caminho inverso, até chegar ao Juiz competente para cumpri-la e devolvê-la à origem.

Por isso causou surpresa nos meios jurídicos, recente decisão de Ministro da Suprema Corte que suspendeu a extradição e concedeu a prisão domiciliar a traficante internacional de drogas. O fundamento foi a falta de reciprocidade, por não ter a Corte Espanhola concedido a extradição de cidadão brasileiro acusado de crimes políticos no País.

O que mais surpreendeu foi que DETERMINOU ao Governo da Espanha, por seu Embaixador, que preste informações, em 5 (cinco) dias, comprovando o requisito da reciprocidade, sob pena de indeferimento do pedido, o que, pelos termos em que foi colocado, parece bem pouco provável de ser atendido.