Eles dois se beijavam na boca, impunes, no canto do bar da academia. Boca cheia de afeto, sem medo de esbarrar em olhares aflitos. Mas, dois passos à frente, uma moça soluçava baixinho, quase sussurrando lágrimas de dor reprimida — a vergonha açoitava mais que o próprio pranto. Um rapaz se curvava sobre ela, como quem quer apagar o incêndio com palavras doces. Mais adiante, um garoto isolado nos seus fones de ouvido dedilhava no ar um piano que ninguém ouvia. Tocava o invisível, tocava o seu mundo particular.
Sigo. E o que vejo? Um homem arquejando num exercício de glúteos. Grita, não de vaidade, mas de desafio. O corpo traindo a alma, que implora por superação. Há suor e esforço onde deveria haver leveza.
Quantos mundos cabem debaixo desse mesmo teto, meu Deus?
Os amantes que respiram como se fossem um só, os que afogam suas dores em abraços emprestados, o pianista que improvisa a trilha da sua solidão, o guerreiro que briga com o ferro em busca de vitória. Tudo isso, e eu apenas treinando meu tríceps e peitoral.
A lição veio sem alarde: nem sempre nosso foco é o que nos guia. Enquanto os músculos tentam seguir a meta do dia, a alma, quieta, dança ao som dos outros. Somos lapidados não só pelo que escolhemos ver, mas pelos reflexos involuntários de quem nos cerca.
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