Estou convicto que a maioria dos participantes não tinha noção da gravidade da conduta incriminada
Em crônica anterior – Mas que Lei é essa? – fiz rápida referência à Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que incluiu artigos no vetusto Código Penal, sob o título DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, substituindo a antiga Lei de Segurança Nacional.
Os regimes tendem a manter-se e a institucionalizar-se com a imposição de leis que visem garantir sua estabilidade.
A ditadura de Getúlio Vargas utilizou a Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, para enfrentar a Intentona Comunista de Luis Carlos Prestes, em novembro de 1.935, e a Intentona Integralista, em 1937, capitaneada por Plinio Salgado.
Ao longo do tempo tivemos várias alterações, como fruto de movimentos sociopolíticos, destacando-se o Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967, do presidente Castelo Branco e o Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, firmado por uma Junta Militar que assumiu o País.
Composta pelos ministros militares Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares Márcio de Souza e Mello Luís Antônio da Gama e Silva, instituiu a PRISÃO PERPÉTUA e a PENA DE MORTE.
Seguiram-se as Leis nº 6.620/1978, sancionada pelo presidente Ernesto Geisel, e a Lei nº 7.170/1983, por João Figueiredo, finalmente revogada pela Lei nº 14.197/2021, por Jair Bolsonaro.
Esta introduziu os artigos no Código Penal:
Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:
Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:
Aplicada com todo rigor a participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasilia, com invasão e depredação de prédios públicos, com penas bastante elevadas, causou comoção nacional à aplicada à mulher que, na estátua da justiça, escreveu “Perdeu, Mané”, com a necessária vírgula (frase do Min. Luís Roberto Barroso).
O voto do Min. Alexandre de Moraes, já acompanhado pelo Min. Flávio Dino, julgamento suspenso por pedido de vista do Min. Luiz Fux, condena à 14 anos de prisão, assim sintetizado:
- Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito: 4 anos e 6 meses de reclusão;
- Golpe de Estado: 5 anos de reclusão;
- Dano qualificado: 1 ano e 6 meses de detenção e 50 dias-multa, sendo cada dia multa em 1/3 do salário mínimo;
- Deterioração do Patrimônio Tombado: 1 ano e 6 meses de reclusão e 50 dias-multa, com cada dia multa em 1/3 do salário-mínimo;
- Associação Criminosa Armada: 1 ano e 6 meses de reclusão.
O impacto dessa condenação traz à baila os ensinamentos do velho professor de direito penal, ao explicar aos acadêmicos de direito e futuros juízes, que a condenação deve ser baseada em provas e as penas devem ser individualizadas e adequadas à conduta do acusado.
Cheguei a receber reprimenda do Tribunal de Justiça, que defendia a unidade do crime, em julgado da década de 1970 em que apliquei a participantes, de menor importância, a pena corresponde a rixa simples – briga em jogo de futebol – e não a de lesão grave causada por um agressor perfeitamente individualizado.
A evolução legal provou que minha intuição estava certa e desde 1984, com a Lei nº 7.209, art. 29, o participante responde NA MEDIDA DE SUA CULPABILIDADE. Se sua participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída, e se quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste.
Por fim, se militar gosta tanto ou mais da arma do que da própria esposa, como fundamentou o Ministro Flávio Dino em seu voto, só pelo fato de algum militar ter participado, data vênia, não se pode presumir, para fins condenatórios, o uso de armas, porquanto a condenação pressupõe provas e não presunções.
Estou convicto que a maioria dos participantes não tinha noção da gravidade da conduta incriminada. No entanto, segundo a lei penal vigente, que felizmente superou a teoria da unidade do crime – quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas – cada um só deve responder NA MEDIDA DE SUA CULPABILIDADE, e com a pena deste, se QUIS PARTICIPAR DE CRIME MENOS GRAVE.
Diz o dito popular, jocosamente, que de cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair. Analisei essas dificuldades em outro artigo publicado – “Minerva e a difícil arte de julgar” -. Pela lembrança do Min. Fux, no entanto, que debaixo da toga pulsa um coração humano, há de se esperar o afastamento das acusações mais graves e a aplicação de uma pena significativamente menor.
Notícias relacionadas

Semana Santa
Os apóstolos de Jesus eram simples pescadores, transformados em pregadores, que inacreditavelmente difundiram sua doutrina ao mundo

Por Moacir Leopoldo Haeser

A prece de um juiz
Nestes dias incertos, em que tantos são condenados a elevadas penas de prisão e tão em evidência, na mídia, os julgadores, oportuno recordar a prece de João Alfredo Medeiros Vieira, Juiz de Direito aposentado de Santa Catarina

Por Moacir Leopoldo Haeser

O outro lado do Pai Nosso
A Páscoa Cristã é a festividade mais importante para o cristianismo, pois lembra a ressurreição de Jesus Cristo

Por Moacir Leopoldo Haeser

Mas que lei é essa?
O Brasil passou por um período conturbado, em que sucessivas investigações revelaram negociatas com contratos de empresas públicas e uma teia de corrupção. Delações revelaram a forma como ocorriam e os nomes de muitos envolvidos. Acordos de leniência resultaram em…
