Colunista

Moacir Leopoldo Haeser

Armada com batom

Publicado em: 08 de abril de 2025 às 08:00
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Estou convicto que a maioria dos participantes não tinha noção da gravidade da conduta incriminada

Em crônica anterior – Mas que Lei é essa? – fiz rápida referência à Lei nº 14.197, de 1º de setembro de 2021, que incluiu artigos no vetusto Código Penal, sob o título DOS CRIMES CONTRA AS INSTITUIÇÕES DEMOCRÁTICAS, substituindo a antiga Lei de Segurança Nacional.

Os regimes tendem a manter-se e a institucionalizar-se com a imposição de leis que visem garantir sua estabilidade.

A ditadura de Getúlio Vargas utilizou a Lei nº 38, de 4 de abril de 1935, para enfrentar a Intentona Comunista de Luis Carlos Prestes, em novembro de 1.935, e a Intentona Integralista, em 1937, capitaneada por Plinio Salgado.

Ao longo do tempo tivemos várias alterações, como fruto de movimentos sociopolíticos, destacando-se o Decreto-Lei nº 314, de 13 de março de 1967, do presidente Castelo Branco e o Decreto-Lei nº 898, de 29 de setembro de 1969, firmado por uma Junta Militar que assumiu o País.

Composta pelos ministros militares Augusto Hamann Rademaker Grünewald, Aurélio de Lyra Tavares Márcio de Souza e Mello Luís Antônio da Gama e Silva, instituiu a PRISÃO PERPÉTUA e a PENA DE MORTE.

Seguiram-se as Leis nº 6.620/1978, sancionada pelo presidente Ernesto Geisel, e a Lei nº 7.170/1983, por João Figueiredo, finalmente revogada pela Lei nº 14.197/2021, por Jair Bolsonaro.

Esta introduziu os artigos no Código Penal:

Art. 359-L. Tentar, com emprego de violência ou grave ameaça, abolir o Estado Democrático de Direito, impedindo ou restringindo o exercício dos poderes constitucionais:         

Art. 359-M. Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído:

Aplicada com todo rigor a participantes dos atos de 8 de janeiro de 2023, em Brasilia, com invasão e depredação de prédios públicos, com penas bastante elevadas, causou comoção nacional à aplicada à mulher que, na estátua da justiça, escreveu “Perdeu, Mané”, com a necessária vírgula (frase do Min. Luís Roberto Barroso).

O voto do Min. Alexandre de Moraes, já acompanhado pelo Min. Flávio Dino, julgamento suspenso por pedido de vista do Min. Luiz Fux, condena à 14 anos de prisão, assim sintetizado:

  1. Abolição Violenta do Estado Democrático de Direito: 4 anos e 6 meses de reclusão;
  2. Golpe de Estado: 5 anos de reclusão;
  3. Dano qualificado: 1 ano e 6 meses de detenção e 50 dias-multa, sendo cada dia multa em 1/3 do salário mínimo;
  4. Deterioração do Patrimônio Tombado: 1 ano e 6 meses de reclusão e 50 dias-multa, com cada dia multa em 1/3 do salário-mínimo;
  5. Associação Criminosa Armada: 1 ano e 6 meses de reclusão.

O impacto dessa condenação traz à baila os ensinamentos do velho professor de direito penal, ao explicar aos acadêmicos de direito e futuros juízes, que a condenação deve ser baseada em provas e as penas devem ser individualizadas e adequadas à conduta do acusado.

Cheguei a receber reprimenda do Tribunal de Justiça, que defendia a unidade do crime, em julgado da década de 1970 em que apliquei a participantes, de menor importância, a pena corresponde a rixa simples – briga em jogo de futebol – e não a de lesão grave causada por um agressor perfeitamente individualizado.

A evolução legal provou que minha intuição estava certa e desde 1984, com a Lei nº 7.209, art. 29, o participante responde NA MEDIDA DE SUA CULPABILIDADE. Se   sua participação for de menor importância, a pena pode ser diminuída, e se quis participar de crime menos grave, ser-lhe-á aplicada a pena deste.

Por fim, se militar gosta tanto ou mais da arma do que da própria esposa, como fundamentou o Ministro Flávio Dino em seu voto, só pelo fato de algum militar ter participado, data vênia, não se pode presumir, para fins condenatórios, o uso de armas, porquanto a condenação pressupõe provas e não presunções.

Estou convicto que a maioria dos participantes não tinha noção da gravidade da conduta incriminada. No entanto, segundo a lei penal vigente, que felizmente superou a teoria da unidade do crime – quem, de qualquer modo, concorre para o crime incide nas penas a este cominadas – cada um só deve responder NA MEDIDA DE SUA CULPABILIDADE, e com a pena deste, se QUIS PARTICIPAR DE CRIME MENOS GRAVE.

Diz o dito popular, jocosamente, que de cabeça de juiz nunca se sabe o que vai sair. Analisei essas dificuldades em outro artigo publicado – “Minerva e a difícil arte de julgar -. Pela lembrança do Min. Fux, no entanto, que debaixo da toga pulsa um coração humano, há de se esperar o afastamento das acusações mais graves e a aplicação de uma pena significativamente menor.