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“Não fomos educados a entender transtornos psicológicos”

Publicado em: 05 de setembro de 2017 às 14:01 Atualizado em: 19 de fevereiro de 2024 às 15:55
  • Por
    Guilherme da Silveira Bica
  • Fonte
    Portal Arauto
  • Foto: Arquivo Pessoal
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    Letícia Lorensini, que tem crises depressivas, fala da importância de não ignorar os anseios alheios

    “Por muito tempo fui julgada e deixada de lado por muitas pessoas, que tenho certeza que estão lendo isso, por não se importarem ou por eu ser ‘chata demais’”. Quando Letícia Lorensini, 25 anos, postou isso no facebook, no dia 20 de julho, venceu outra etapa durante os anos em que vive com as angústias de sua mente. A cada dia que passa, consegue falar melhor sobre o assunto. Se antes, importava-se com quem não a entendia, hoje luta para que mais pessoas entendam, não apenas o que ela passa, mas o que a maioria sente, muitas vezes em silêncio.

    Sua infância foi complicada. Problemas familiares, bullying na escola e um atropelamento. Aos 15, com o falecimento do pai, as coisas pioraram. Começaram a vir a tona, junto com pensamentos suicidas. O que ela sentia só conseguiu entender realmente após fazer terapia, semanalmente. “Eu sentia as coisas de forma tão intensa a ponto de não aguentar mais”, lembra. Além disso, a falta de entendimento das pessoas piorava a situação. Letícia foi considerada carente e até perdeu amigos. Com o tempo, ela foi crescendo, observando e entendendo, com maturidade, a triste realidade: “Não fomos educados a entender transtornos psicológicos”.

    Letícia, natural de Encantado, entende que o mundo seria bem melhor com empatia. Se no lugar de julgar, as pessoas se preocupassem. Um “você está bem?”, pode sim fazer a diferença, de acordo com a jovem. “Todo mundo está passando por algo e todo mundo deveria fazer terapia”, aconselha. A designer gráfica considera que ainda não se reergueu totalmente, mas agora entende quais são seus gatilhos e como lidar com eles. “Se eu estou em uma situação de cilada psicológica, eu me afasto. É uma batalha diária contra minha própria mente tentando me sabotar”, diz.

    “É cansativo, mas se você não lutar, ninguém vai conseguir te ajudar a sair do poço”

    Terapia, amigos, família. Foram vários os motivos que fizeram Letícia continuar forte. Porém, foi ela mesma a grande responsável. “Precisamos de força própria. É um caminho árduo e cansativo. Então, não forcem. Apenas estejam presentes”, destaca. Moradora de Porto Alegre, a jovem aconselha as pessoas a serem mais leves.

    “Respeite as fases, respeite o momento, respeite sua mente, seu corpo, seus limites e caminhe, um dia de cada vez. Com 25 anos não conquistei muita coisa que queria ter conquistado, mas todo dia, há um bom tempo, não tenho mais pensamentos suicidas e isso é muito mais valioso que qualquer bem material que eu poderia ter”, conta. Letícia destaca ainda a importância de se sentir bem, de se amar e não achar que é um peso para as outras pessoas. “Se alguém fizer você se sentir assim, se afaste. Se cerque de pessoas boas e pensamentos bons. Nunca esqueça que as coisas têm solução e que você vai sair dessa”, pontua.

    O diagnóstico

    Letícia foi diagnosticada com Transtorno de Personalidade Borderline, uma condição mental grave caracterizada pelas mudanças súbitas de humor, medo de ser abandonado pelos amigos e comportamentos impulsivos. As causas são várias e abrangem desde a predisposição genética até experiências emocionais precoces e fatores ambientais, com destaque para as situações traumáticas e situações de abuso e negligência. 

    “Eu nunca quis morrer realmente, eu só queria que aquilo que eu estava sentindo passasse”

    De acordo com dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), a cada 40 segundos uma pessoa comete suicídio no mundo, sendo que apenas 28 países possuem planos estratégicos de prevenção. O Brasil é o oitavo país com maior número de suicídios no mundo, onde cerca de 800 mil pessoas cometem suicídio todos os anos. Letícia já chegou a pensar em fazer parte destas estatísticas. Porém, foi mais forte. Lutou contra os fantasmas que a habitavam e encontrou forças até mesmo onde não imaginava. “Percebi que podia vencer sem cometer algum ato desesperado. E sempre pensando muito na minha mãe, maior força que pude ter”, relata.

    “É preciso entender mais”

    De acordo terapeuta ocupacional, especialista em saúde mental e dependência química, Daniela Gruendling, a sociedade precisa aprender a ouvir e entender o próximo. “Cada um sabe da intensidade da dor que sente, o que é algo muito individual. Os problemas podem se apresentar de forma diferente para as pessoas, cada um vai lidar também de forma diferente, de acordo com sua história, suas vivências e sua capacidade de lidar com o sofrimento”, diz. Letícia concorda: “Nem todo mundo vai sentir um corte na mão da mesma forma. Algumas não vão nem sentir dor e para outras será a maior dor do mundo. Não somos iguais, não sentimos igual”.

    Formada na Universidade Federal do Paraná e profissional do Centro de Atenção Psicossocial da Infância e Adolescência  (Capsia) em Santa Cruz desde 2009, Daniela diz que não entender que o outro sofre e subestimar sua dor são atitudes que muitas vezes “empurram” a pessoa, ainda mais profundamente, em seus problemas, podendo auxiliar na estruturação de um transtorno mental/sofrimento psíquico mais grave.

    Segundo Daniela, a região de Santa Cruz do Sul tem conhecidamente um número elevado de casos de suicídio e as tentativas de suicídio também têm aumentado. Para evitar novas situações, a terapeuta indica uma acolhida maior por parte dos pais. “Os pais têm papel fundamental, não só ouvindo seus filhos, mas também realmente interessando-se por suas vidas, mantendo proximidade afetiva e diálogo. O suporte afetivo dos pais é essencial na estruturação psíquica da criança e do adolescente, que é o que dará condições emocionais a eles de lidar com seus problemas e adversidades da vida”, salienta.

    Você conhece alguém que aparenta estar passando por uma dificuldade? Que tal ligar para a pessoa e marcar um encontro?

    “A disponibilidade em ouvir e dar suporte quando um amigo ou conhecido necessita, já auxiliam, no mínimo, no sentimento de alívio e de que foi dada importância a sua situação ou sofrimento. Muitas coisas faltam na sociedade… A tolerância, a disponibilidade de afeto, de tempo, de doação, de escuta, de não julgar o que só quem vivencia pode realmente compreender. Despir-se de preconceitos e de pré-julgamentos, buscando aceitar e permitir que o outro vivencie suas escolhas, já é um primeiro passo.” Daniela Gruendling

    “Minha ajuda foi fazer tratamento psicológico, pra outros pode ser yoga, pra outros ir à igreja. O que importa é procurar alguma coisa que te faça ver que vale a pena estar vivo e aproveitar esse momento que temos aqui.” Letícia Lorensini