O que mudar de um garoto de 20 anos para um ancião de 80. Muda tudo, alguns dirão. Outros, categóricos, afirmarão: “quase nada”. É sobre isso que reflito hoje. Boa leitura.
Tenho amigos de 20 anos. São como pássaros recém-saídos do ninho, descobrindo o vento pela primeira vez. São meus sobrinhos. Eles não carregam as marcas do preconceito, não se dobram às velhas amarras. São de uma leveza que às vezes parece inalcançável. Olham o mundo com olhos de surpresa, como se tudo fosse novo, como se o impossível ainda não tivesse sido inventado. Há algo de mágico em suas almas — acreditam que podem colorir o que outros deixaram cinza.
Tenho amigos de 30. São da minha geração. Estão na montanha-russa da vida, buscando vencer o tempo, o medo e, muitas vezes, a si mesmos. Há pressa, sempre há pressa. Quem veio de onde eu vim traz no peito uma urgência, como se viver fosse uma corrida, não uma jornada. Queremos tudo: família, carreira, conquistas. E queremos rápido. É bonito e exaustivo testemunhar o brilho e o desespero nos nossos olhos. Somos uma geração que luta, mas às vezes esquece de respirar. Rivotril de balde.
Tenho amigos de 40. Eles carregam a fadiga de quem subiu quase metade da montanha, mas também a sabedoria de quem já viu o caminho que ficou para trás. Muitos estão aprendendo a aceitar que não se pode ter tudo — e que talvez isso seja uma libertação, não uma derrota. Eles falam menos sobre sonhos e mais sobre escolhas. Experiência é dádiva. Estão buscando o equilíbrio entre o que ainda desejam e o que já decidiram abortar. É uma idade onde as rachaduras aparecem, mas, paradoxalmente, é onde o caráter ganha forma.
Tenho amigos de 50. Eles aprenderam a arte do filtro. Sabem quem são, o que querem, e, mais importante, o que não querem mais. São pessoas que encontraram força no silêncio, na pausa. Há uma beleza na forma como deixam ir, como se despedem sem culpa. Não precisam provar nada a ninguém. Não buscam aplausos. Estão mais preocupados em caminhar ao lado de quem importa do que em cruzar a linha de chegada.
Tenho amigos de 60. Eles são poesia viva. Há algo em seus gestos que mistura paz e profundidade, como se carregassem nas mãos todas as respostas que um dia buscaram. Mas o mais bonito é que não precisam mais dá-las. Não se preocupam com verdades absolutas. Riem do tempo, riem de si mesmos. Começam a enxergar o que sempre esteve ali, mas só agora fazem questão de notar. Encontraram o luxo da simplicidade.
E tenho amigos de 80. São extremamente gratos à vida. São como árvores antigas, carregando a memória dos invernos e a promessa das primaveras. Minha avó é uma delas. Todos os dias, ela se maquia, não por vaidade, mas por amor. Ama o ritual, ama a vida. Ri da tragédia, encara o medo do elevador, e segue. Ontem, perguntei a ela o que mudou, e sua resposta me desmontou:
“Lucas, tu sabes, eu sou a mesma de 30 anos. O meu corpo mudou, mas a minha alma não mudará.”
E ali entendi tudo. A vida é um espelho que reflete o que escolhemos ser. As gerações passam, os corpos se transformam, mas a essência — essa permanece. Minha avó me ensinou que a idade não está na pele, mas no brilho dos olhos. E que viver, no fim, é ser fiel a quem somos, mesmo quando o tempo tenta nos dobrar.
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