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Humanização: o parto realizado em colaboração e respeito

Publicado em: 20 de dezembro de 2019 às 13:36 Atualizado em: 21 de fevereiro de 2024 às 21:00
  • Por
    Taliana Hickmann
  • Fonte
    Jornal Arauto
  • Foto: divulgação/ Kathiely Watte
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    Mulheres contam experiência de dar à luz de forma plena e natural e sobre a assistência fundamental da doula no processo

    “Hoje, uma mulher foi respeitada e uma parteira ajoelhou-se a seus pés para receber o seu filho. Hoje, mais uma mulher foi tratada como deusa. Mais um bebê foi recebido como um ser especial, tendo seu corpo respeitado e sua alma impressa de amor. Hoje, eu vi o mundo mudar mais um pouco. Porque a cada bebê parido com amor e respeito, muda o mundo para sempre.” As palavras da doula Kalu Brum descrevem um parto humanizado e foram replicadas nas redes sociais pela santa-cruzense Mariele Anger, 31 anos, que viveu a experiência há um ano e oito meses. Seu primogênito, Caetano, veio ao mundo em um ambiente de certezas, em que a vontade dos pais foi respeitada e a tranquilidade reinou no banheiro do hospital, onde a mãe deu à luz embaixo do chuveiro. 

    É dessa colaboração mútua no processo de nascimento, entre profissionais da saúde, pais e doula, que trata a humanização, afirma Andrea Fabiane Bublitz, enfermeira obstetra e doula. De primeiro momento, o termo pode remeter a partos em casa, na banheira ou até no meio do mato. Mas na essência, Andrea explica que a humanização não diz respeito só a via de parto. Tem muito mais a ver com a conscientização do processo por aqueles que participam dele, da tomada de decisão em que todos são ouvidos e ao respeito dentro das possibilidades de cada um, visando, sobretudo, a segurança da mãe e do bebê. “A partir do momento em que se impõe para o médico ou para a mulher determinada situação, já não se está humanizando. Por isso, esse trabalho envolve entender e respeitar aquele contexto familiar, aquela chegada, as crenças e os rituais de cada um”, esclarece.

    O Caetano chegou
    E foi dessa maneira que Mariele e o marido, Vinicius Zart, 35 anos, presenciaram o filho vir ao mundo: com suas vontades respeitadas. Em um sábado, por volta das 2 horas, Caetano começou a dar sinais de que iria nascer. Mariele, que tinha passado das 40 semanas de gestação, levantou com desconforto e não voltou mais para cama. Após algumas horas em contato por telefone com a doula, a profissional foi auxiliá-la em casa. No local, permaneceram até às 10 horas, em um ambiente tranquilo, com pouca luminosidade, enquanto a mãe recebia massagens e o coração do bebê era monitorado pela profissional. “Estava concentrada naquele momento, pude vivê-lo da forma mais plena e intensa possível”, conta Mariele. A chegada de Caetano foi ao meio-dia e prontamente foi encostado ao peito da mãe para receber as boas-vindas. “Estávamos todos ali no banheiro, eu embaixo do chuveiro, meu marido ao meu lado, as médicas, a Andrea, todos esperando por ele de forma única e inesquecível”, relembra. Para Mariele, é esse o significado da humanização: “deixar a mulher viver esse momento da forma mais plena possível”.

    E a cesariana, pode ser humanizada?
    O desejo de Kassiele Thaís Rusch, 37 anos, era de dar à luz aos filhos de parto normal. Mas quando entrou em trabalho de parto pela primeira vez, Gabriel Rusch Helfer, hoje com quatro anos, estava sentado. Mesmo com os esforços de Kassiele e do pai, Roberto Luis Helfer, 41 anos, em ir para Muçum – cidade que contava com profissionais especializados em partos de bebês pélvicos – o menino veio ao mundo pela cesariana. Na segunda gestação, novamente a família não mediu esforços para que Helena Rusch Helfer, hoje com dois anos, nascesse de parto normal. “Tentei ao máximo, fui vencida pelo cansaço e, então, optamos pela cesariana”, relembra Kassiele. 

    Mesmo que os filhos não tenham nascido da forma como planejada, a mãe diz que suas decisões foram respeitadas, durante e depois do nascimento, bem como pôde confiar no obstetra durante todo o procedimento e, por isso, considera o processo humanizado. “Houve respeito em diversos aspectos, como no tempo aguardado para cortar o cordão umbilical ou quando retiraram o pano – que tapava a visão da mãe durante a cesariana – para que eu pudesse presenciar os primeiros sopros de vida da Helena, foi lindo”, completa.

    O pensar o parto
    Para Andrea, a gestação e o nascimento de forma plena exigem reflexão sobre o processo. Mas, segundo ela, a sociedade comprou uma ideia do que é nascer, como se o parto fosse um produto, através do qual a paciente se entrega ao médico e é ele quem toma as decisões. “Isso tem relação ao medo que se tem acerca do nascimento, da falta de informação sobre as opções disponíveis. É como se fosse necessário ter o controle de tudo na hora do parto, aí se marca a cirurgia e ganha-se o bebê de uma forma que é simples e ‘boa’ pra mim e para o profissional ”, explica. A doula atribui esses aspectos ao alto índice de cesáreas, em muitos casos desnecessários. Se analisados os partos em Vera Cruz e Santa Cruz, entre janeiro e novembro deste ano, foram realizados 1.961 procedimentos. Destes, 1.470 foram cesáreas. “Hoje, vejo que é cada vez mais difícil optar pelo parto normal. É como se as pessoas estivessem procurando por adrenalina e um momento único, mas quando podem vivê-lo de forma natural, não querem”, avalia. Por outro lado, Andrea também alerta sobre a romantização do processo humanizado. Dessa forma, prega que cada casal deve ter suas chances de escolha, seja pelo parto normal ou cesariana. “Talvez uma mulher esteja disposta, dentro de uma linha de segurança, a seguir as 33 horas de parto. Ou daqui a pouco, outra vai chegar nas 24 horas e ver que não consegui ir em frente e pedir pela cesareana. Então, isso é humanizar, entender os processos de cada um”, completa. 

    A reportagem completa, você lê no Jornal Arauto desta sexta-feira e sábado.