Cidadãos bem informados são a base de uma democracia saudável
Foi a partir do olhar atento da imprensa e do trabalho do Tribunal de Contas do Estado que a Polícia Federal deflagrou a Operação Touch Screen, investigação que apura possíveis irregularidades na aquisição de 185 lousas digitais pela Prefeitura de Santa Cruz do Sul, entre os anos de 2021 e 2023. As ações dos agentes na semana passada, com mandados cumpridos no município do Vale do Rio Pardo, destacam um ponto, por vezes, negligenciado na estrutura democrática – o papel da imprensa como instrumento de fiscalização do poder.
Não nos cabe aqui antecipar julgamentos. O contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal são garantias fundamentais que protegem os cidadãos, inclusive os gestores públicos. Contudo, cabe à imprensa cumprir seu papel de levantar os fatos, fomentar o debate público e estimular a responsabilização das autoridades quando há suspeita de uso indevido de recursos públicos. Essa função de alerta e denúncia não é nova, mas tem sido cada vez mais desafiada por pressões externas, retaliações e tentativas veladas de intimidação.
O conceito de quarto poder, amplamente difundido por pesquisadores como Nelson Traquina, se refere exatamente à função da imprensa na vigilância dos demais poderes, do Executivo, do Legislativo e do Judiciário. Em uma democracia, o jornalismo atua como intermediário da informação e como agente de contrapoder, mecanismo de equilíbrio que assegura que os detentores de autoridade pública prestem contas de seus atos. Não por acaso, a teoria democrática clássica insiste no livre fluxo de informações para o exercício da cidadania.
O jornalismo se posiciona como um cão de guarda da sociedade. Quando uma reportagem revela um esquema de corrupção, documenta violações de direitos ou expõe políticas públicas ineficazes, ela está exercendo essa função de freio institucional. Mais do que noticiar, o jornalismo revela o que muitos gostariam de manter oculto. Por isso, não surpreende que esse tipo de jornalismo incomode. E quando incomoda, surge a tentativa de silenciar.
Com oito anos de experiência em comunicação, vi e senti de perto os efeitos colaterais de exercer a função jornalística. Empresários me procuraram em diferentes ocasiões para impedir a publicação de reportagens que poderia afetar a imagem dos negócios. Em outras ocasiões, políticos mencionados em matérias sobre falhas na gestão pública tentaram descredibilizar meu trabalho por meio de falas agressivas e com insinuações de ações judiciais. Em todos esses momentos, a mensagem era a mesma, de não ultrapassar certos limites.
Esse tipo de comportamento revela incompreensão ou desprezo pelo papel da imprensa numa sociedade democrática. É preciso deixar claro que jornalistas não estão a serviço de empresas, governos ou partidos. Estão a serviço do interesse público. Esse compromisso, por mais desconfortável que seja, deve ser preservado. Essas iniciativas mantêm acesa a chama do jornalismo vigilante, que, mesmo quando não late, atua como espantalho ou cão de guarda. A presença é suficiente para inibir abusos e práticas ilegais. Trata-se de um jornalismo que incomoda por estar sempre de guarda e disposto a expor o que é necessário.
A credibilidade do jornalismo reside justamente na sua capacidade de revelar o que está oculto. Quando bem executado, fortalece a democracia, estimula a responsabilização e mobiliza reformas. E é aqui que a Operação Touch Screen retorna ao centro da reflexão. O fato de a investigação ter sido desencadeada por reportagens da imprensa e auditorias do TCE-RS mostra como a sociedade civil — por meio do jornalismo e de instituições de controle — pode atuar em colaboração para proteger o interesse coletivo.
Cidadãos bem informados são a base de uma democracia saudável. Não há escolha consciente sem informação. Não há cobrança efetiva sem denúncia. Não há democracia sem jornalismo. Por isso, quando operações como a Touch Screen ganham manchetes e revelam que tudo começou com uma reportagem, não estamos diante de mera coincidência. Estamos diante de uma engrenagem que, quando bem ajustada, faz funcionar o que há de mais importante em uma sociedade democrática – a confiança de que ninguém está acima da lei.
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