O julgamento culminou com a condenação do réu pelos jurados, que reconheceram as atenuantes da menoridade e ter agido sob a influência de violenta emoção por ato injusto da vítima
Não faz muito tempo um jornal de grande circulação regional publicou uma longa reportagem histórica, rememorando um homicídio ocorrido em um município da região. O repórter narrava como havia sido acordado de madrugada para dirigir-se ao outro município para fazer a cobertura do fato. Narrou em detalhes como o crime havia ocorrido e identificando o autor.
Como eu conhecia o fato e presidira o julgamento, liguei e mandei mensagens alertando, porém era tarde, porquanto o jornal já havia circulado e apena repetia o que já havia sido publicado na ocasião.
Era a década de 1970 e ocorrera o homicídio de um policial civil.
Já haviam ocorrido embates com a polícia e prisões dos dois irmãos acusados do crime, com várias passagens pela polícia. Numa das ocasiões um dos dois, que era menor, sofrera muitas lesões e guardava uma fotografia na sala com o rosto desfigurado.
Durante a tramitação do processo o irmão menor assumiu a autoria do fato, isentando totalmente o irmão mais velho.
Como não havia elementos probatórios para pronunciar o mais velho, determinando o julgamento pelo Tribunal do Júri, meu antecessor impronunciou o réu, determinando o julgamento apenas do irmão menor.
Quando assumi a comarca o júri estava na pauta para a reunião seguinte. Jovem iniciante e ainda inexperiente, tive que presidir o júri do envenenamento, que comentei na crônica anterior, e o do homicídio do policial.
Chegavam-me notícias de todos os lados.
Do lado da família do réu vinham ameaças veladas de que não admitiriam uma condenação face aos antecedentes das rusgas com o policial. Do lado de cá os boatos de que o réu não sairia vivo do julgamento.
Na acusação um promotor de justiça também iniciante.
Na defesa um veterano de júris, grande orador, ex-promotor de justiça e que, depois, fez carreira como deputado, auxiliado por outro grande advogado, filho do escrivão da comarca.
Na época o Tribunal de Justiça fornecia uma pequena verba para alimentação dos jurados. Mal daria para um pequeno lanche e o julgamento deveria arrastar-se noite adentro.
O advogado me procurou e sugeriu-me que o julgamento fosse realizado no salão paroquial, ao lado da igreja, onde haveria mais espaço para os assistentes. O restaurante forneceria graciosamente a alimentação para os jurados e serventuários.
Verificado e aprovado o local, chamei em segredo o comandante do destacamento da Brigada Militar e coloquei em suas mãos a segurança do julgamento, pois era a pessoa em quem poderia confiar. Este apresentou-me, posteriormente, o plano de segurança e o aprovei.
Havia providências visíveis, como a segurança na minha casa, durante o julgamento, e o cercamento com cordas de todo o prédio. Na porta um guarda com submetralhora e todos eram identificados e revistados antes do acesso ao plenário.
Ninguém sabia, nem serventuários, nem advogados e promotor, que havíamos montado um sistema de segurança extra para garantir a normalidade do julgamento.
Havíamos trazido policiais militares de outras localidades. Em trajes civis, cada policial e cada familiar do réu que ingressava no plenário era acompanhado por um policial meu à paisana. Atrás de cada um, que poderia eventualmente alterar-se durante o julgamento, eu tinha um policial disfarçado parado atrás dele.
O julgamento transcreveu normalmente, com alguns debates mais acalorados entre a acusação e defesa, culminando com a condenação do réu pelos jurados, que reconheceram as atenuantes da menoridade e ter agido sob a influência de violenta emoção por ato injusto da vítima.
Para a pequena comunidade foi “O júri do Século”.
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