Não é raro ver vereadores utilizando seus espaços de fala não para tratar dos problemas da cidade, mas para exaltar ou criticar figuras da política nacional
Os recentes debates travados na Câmara de Vereadores de Santa Cruz do Sul, especialmente protagonizados por Eduardo Warchow (Novo), Abel Trindade (PL) e Alberto Heck (PT), de lados políticos opostos, despertam uma reflexão necessária sobre o papel do vereador. Não é raro, no Plenário Nilton Garibaldi, ver vereadores utilizando seus espaços de fala não para tratar dos problemas da cidade, mas para exaltar ou criticar figuras da política nacional, como Lula, Bolsonaro ou ministros do Supremo Tribunal Federal (STF). Em algumas sessões deste ano, Brasília pareceu estar mais presente que Santa Cruz.
É claro que a política nacional interfere diretamente na vida dos moradores do município. A taxa de juros definida pelo Banco Central impacta o financiamento da casa própria ou do carro e as decisões do Congresso e do governo federal influenciam o preço dos alimentos e dos combustíveis. Não se trata de negar a relevância desses temas. Discutir questões nacionais nos espaços públicos é legítimo e saudável, desde que esse debate esteja conectado com as realidades e necessidades locais. O problema é quando a política nacional vira o centro das atenções e ofusca aquilo que deveria ser a prioridade da Câmara – a vida em Santa Cruz.
O funcionamento do Legislativo é organizado para que cada instância trate dos temas específicos. Os deputados federais, em Brasília, cuidam dos assuntos nacionais. Os estaduais, em Porto Alegre, tratam das pautas do Rio Grande do Sul. E os vereadores, em Santa Cruz, devem olhar para os desafios, problemas e oportunidades do município. É importante deixar claro que os vereadores citados não são os únicos que abordam temas nacionais e que, nas sessões, seguem também apresentando projetos, indicações e pedidos de providências a partir de demandas da comunidade local. Eles foram mencionados porque, nos últimos tempos, ganharam destaque justamente por protagonizarem embates ligados à polarização nacional.
O ponto central dessa reflexão, porém, vai além dos vereadores e envolve também o comportamento dos eleitores. É preciso olhar com sinceridade para o que circula nos grupos de WhatsApp da cidade. O que chama mais atenção? A solução de um problema histórico de um bairro de Santa Cruz ou mais uma polêmica envolvendo Lula, Bolsonaro ou o STF, muitas vezes alimentada por desinformação ou por interesses partidários? No jornalismo local, a lógica é parecida. No Portal Arauto, por exemplo, notícias sobre figuras da polarização nacional frequentemente têm mais acessos e compartilhamentos do que reportagens que tratam de propostas concretas apresentadas por vereadores ou lideranças locais.
Inverter essa lógica é um dos desafios mais urgentes da política municipal. Não adianta reclamar da estrutura da escola do filho e, ao mesmo tempo, dedicar mais energia para comentar debates de Brasília nas redes sociais do que para participar das audiências públicas, discutir o orçamento público ou cobrar melhorias junto aos representantes locais. O município é o território da política personalizada. É onde o eleitor conhece o político pelo nome, encontra na rua, pede ajuda direta, apresenta demandas concretas e espera respostas rápidas. Em Santa Cruz, os partidos importam, mas as relações pessoais ainda mais. É uma política marcada pela proximidade, pela confiança, pelos vínculos diretos.
Nesse contexto, é importante lembrar quais são, afinal, as principais funções de um vereador. Cabe a ele criar, discutir e aprovar leis que tratem de temas de interesse local, como transporte, educação, saúde, comércio, meio ambiente, uso do solo, entre outros aspectos que impactam diretamente a vida da população. Também é responsabilidade do vereador fiscalizar as ações do prefeito e da administração municipal, analisando gastos, questionando decisões, cobrando transparência, pedindo informações e acompanhando a execução do orçamento público. Além disso, o vereador tem a função de representar a população, ouvindo as demandas que surgem nos bairros e nas comunidades.
Portanto, não se trata de proibir ou desvalorizar os debates nacionais dentro da Câmara de Vereadores. A política nacional tem impacto direto na vida das pessoas, mas é preciso ponderar o tempo, a energia e o foco dedicados a esses temas — tanto por parte dos parlamentares quanto da comunidade. Afinal, estamos em Santa Cruz, a mais de dois mil quilômetros e separados por, pelo menos, quatro estados. Quem vive aqui, paga seus impostos aqui e enfrenta os problemas do dia a dia aqui, precisa — mais do que ninguém — que o olhar dos vereadores esteja voltado, antes de tudo, para cá.
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