Colunista

Moacir Leopoldo Haeser

O cerro do Botucaraí

Publicado em: 18 de fevereiro de 2025 às 08:16
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Na adolescência tive a oportunidade de escalar várias vezes o morro, caminhando desde a cidade de Candelária, distante cerca de 15 quilômetros

Pergunte a qualquer pessoa de Candelária onde fica o Santo Cerro e ela apontará o Botucaraí, visível de todas as cidades da região. De Santa Cruz tem o formato de um fusca, imagem que apresenta idêntica do outro lado, para quem vem de Santa Maria.

O Morro e a santa fonte, de águas cristalinas, que correm ao pé do monte, são objeto de peregrinação, especialmente na Sexta-feira santa.

O nome Botucaraí geralmente é atribuído ao tupi-guarani de ybyty-caray, traduzido como Monte Santo, embora “i” signifique água, botu possa ser traduzido como morro e karai como senhor, pessoa não-índio. Lembrem de “Recuerdos de Yparacai”, Lago do Senhor (como os indígenas costumavam chamar os espanhóis).

Na adolescência tive a oportunidade de escalar várias vezes o morro, caminhando desde a cidade de Candelária, distante cerca de quinze quilômetros, pelo sul, por Sesmaria do Cerro. Uma vez pelo norte, por Vila Botucaraí, acompanhado das irmãs do Ginásio Medianeira.

Um grupo de quatro adolescentes, saíamos às 2 h da madrugada e chegávamos ao pé do morro ao amanhecer. Na escuridão da mata, improvisávamos tochas para clarear o caminho.

À margem da estrada, pouco adiante do antigo campo de aviação, resquícios das trincheiras, que deram nome ao lugar, traços da Redução Jesus Maria, fundada pelo jesuíta espanhol Pedro Mola, e destruída, após heroica luta, pela bandeira comandada por Antônio Raposo Tavares, na tomada do território rio-grandense pelos portugueses.

A escalada do morro isolado mais alto do Estado – com 569 m acima do nível do mar- não é fácil, exigindo muito esforço, agarrados nas raízes das árvores nos pontos mais íngremes.

Quase na chegada ao topo, uma visão deslumbrante, num mirante natural para a região de Cachoeira do Sul, chamada de “Boa vista”.

O topo do morro é praticamente plano e tem uma profunda escavação, como um poço para captação de água, e o marco colocado pelos militares com localização e altitude.

A visão para ambos os lados é maravilhosa. Em dias claros é possível ver as cidades da região, como Cachoeira do Sul, Vera Cruz, Santa Cruz do Sul e Rio Pardo e os belos campos cultivados. Ao seu pé, no leste, está Candelária, a cidade dos Dinossauros.

Em nossas andanças comíamos as frutas que encontrávamos pelo caminho e matávamos a sede nas límpidas fontes da região. Criança não se cansa. Depois de brincarmos o dia inteiro, voltávamos a pé até Candelária.

No alto penhasco da frente leste do morro, voltado para Candelária, uns vinte metros abaixo do topo, há uma reentrância que aparenta ser uma caverna natural. Numa das ocasiões meus amigos amarraram um cipó na minha cintura para eu debruçar-me no penhasco e olhar a suposta caverna.

Muito mistério cerca o morro que, pela presença de um pregador e curandeiro, que atendia os doentes e oferecia-lhes chás milagrosos, passou a ser denominado de Santo Cerro.

A presença do santo monge era cercada de mistério, especialmente seu desaparecimento do topo do morro, todas as vezes que era procurado pelas tropas de segurança.

Dizia-se que ele tinha o poder da bilocação, podendo estar em dois lugares ao mesmo tempo, ou simplesmente eclipsar-se, deixando atônitos as tropas que o buscavam.

Acho que nós desvendamos esse mistério… mas isso é assunto para outra crônica.