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Os desafios diários de quem convive com as doenças raras

Publicado em: 08 de março de 2024 às 07:45 Atualizado em: 10 de abril de 2024 às 17:04
  • Por
    Jaqueline Rieck
  • Fonte
    Jornal Arauto
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    Famílias de Arthur Bonfanti Simmianer, de 11 anos, e Carine Schaefer, de 44 anos, conhecem muito bem as dificuldades

    Na semana passada foi celebrado o Dia Mundial das Doenças Raras. Desde 2008, a data é lembrada em 29 de fevereiro, considerado o dia mais raro, já que os anos bissextos ocorrem a cada quatro anos. Criada pela Organização Europeia para Doenças Raras (EURORDIS) e por associações de pacientes, a data tem o objetivo de promover conscientização para governantes, profissionais de saúde e sociedade sobre esses pacientes, que no Brasil, somam aproximadamente 13 milhões de pessoas, população maior do que a da cidade de São Paulo.

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    Conforme dados do Ministério da Saúde, existem em torno de 7 mil doenças raras catalogadas, das quais, 80% de origem genética e 20% de causas infecciosas, virais ou degenerativas. Cerca de 75% delas acomete crianças e jovens e a média de espera pelo diagnóstico é de cinco anos, pois podem ser confundidas com outras doenças mais comuns. Conheça um pouco mais sobre essas condições e como elas afetam a vida de quem já recebeu o diagnóstico.

    Em sua maioria, as doenças raras são crônicas e progressivas, além de não possuírem cura. Entre as mais conhecidas estão a atrofia muscular espinhal (AME), a distrofia muscular de Duchenne, a esclerose múltipla e a esclerose lateral amiotrófica (ELA), além da miastenia gravis, doença de Crohn, epidermólise bolhosa (EB) neurofibromatose, síndrome hemolítica urêmica atípica (SHUa), entre outras. 

    Viver com as doenças raras é aprender a lidar com uma série de dificuldades, que a família de Arthur Bonfanti Simmianer, de 11 anos, e Carine Schaefer, de 44 anos, conhecem muito bem. 

    Arthur vive com Distrofia Muscular de Duchenne 

    Arthur Bonfanti Simmianer, de 11 anos, estuda na Escola de Ensino Médio Anchieta, em Vera Cruz, e adora assistir futebol, sendo um torcedor colorado fanático. O menino tem distrofia muscular de Duchenne, doença neuromuscular genética rara que atinge na maioria dos casos pacientes do sexo masculino. Cerca de um em cada 3,5 mil a 5 mil meninos nascidos vivos são portadores desta condição degenerativa do tecido muscular.

    Conforme a técnica de enfermagem e mãe de Arthur, Leticia Bonfanti, a doença é ligada ao cromossomo X,  uma parte do gene da distrofina, proteína da fibra muscular essencial presente no coração e pulmão, que ausente resulta em inflamação, degeneração, substituindo a fibra muscular por tecido fibroadiposo. A doença pode ser hereditária ou pode ocorrer quando ocorre mutação espontânea, como é o caso de Arthur, pois não existem outros casos na família, e seu irmão mais novo, Antonio, teve o exame genético negativado.

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    A mãe relata que Arthur teve dificuldades para caminhar e atraso na fala e foi levado a um traumatologista e fez tratamento com fonoaudióloga. No fim de 2019, quando os pais perceberam que ele tinha dificuldades para levantar, o levaram a uma neuropediatra, que deu o diagnóstico após um exame físico. “O que mais impacta em um diagnóstico é a falta de conhecimento sobre a doença. Nosso mundo caiu ali com a fala dela, indicando que nosso filho teria uma doença rara sem cura e que deveríamos aproveitar ele o máximo possível. Começava ali nossa luta”, lembra.

    Os sintomas da Duchenne incluem a manobra de Gowers, quando a criança precisa de ajuda para se levantar do chão, com as mãos apoiadas nas próprias pernas, a alteração do exame creatinofosfoquinase (CPK), e se a criança tem dificuldade em caminhar, correr ou subir escadas, apresenta a panturrilha que parece maior do que o normal, anda com as pernas afastadas ou caminham como se estivesse “rebolando.”

    Após o diagnóstico, Leticia e o pai de Arthur, André Simmianer, foram atrás de mais informações e encontraram associações no Estado e no país, e conheceram outras famílias que convivem com Duchenne. “Somos muitas mães espalhadas pelo Brasil e pelo mundo, pois a Duchenne nos uniu e trocamos muitas experiências e dúvidas. Hoje aquela expectativa de vida que se tinha só até os 20 anos não existe mais, pois os meninos Duchenne vivem muito mais. Temos jogadores de power soccer, bocha adaptada, entre tantos outros”, comenta Letícia. 

    Durante a pandemia, o menino consultou online com uma especialista da doença, de São Paulo. Atualmente o acompanhamento é feito pelo SUS, em Porto Alegre, com equipe multidisciplinar que inclui geneticista, neuromuscular, pneumologista, cardiologista, endocrinologista e oftalmologista, além de fazer uso de medicamentos e ter acompanhamento de fisioterapia e hidroterapia. Arthur também usa órtese noturna nos pés. 

    Uma terapia gênica foi aprovada recentemente nos Estados Unidos , com valor altíssimo, mas ainda não foi aprovada no Brasil. “Ainda estamos aguardando uma posição da Anvisa, até porque não é somente importar a medicação, e sim ter uma rede de apoio na parte hospitalar”, declara. Apesar de não ser uma cura, a família espera que o tratamento possa ser uma esperança de maior qualidade de vida, pois a parte muscular que sofreu com a degeneração não há como recuperar.

    Os cuidados da família em busca do tratamento mais adequado mantém o quadro clínico estável com progressão lenta da doença. Os pais mantêm páginas no Facebook e no Instagram, pelo perfil @todospeloarthur_, onde compartilha informações sobre a distrofia muscular de Duchenne. “Seguimos lutando todos os dias para que nossos meninos tenham ao mínimo as terapias e acessos médicos necessários. Estamos lutando também enquanto associação para incluir o exame CPK no teste do pezinho, pois ao dar alterado já se tem a suspeita da doença”, explica.

    Medicamentos são a esperança contra a AME

    A moradora de Santa Cruz do Sul, Carine Schaefer, de 44 anos, tem Atrofia Muscular Espinhal do tipo 2 (AME II). Ela usa cadeira de rodas motorizada e nunca andou, mas apesar das limitações, estudou em escola regular, fez faculdade e trabalhou, além de ser uma das idealizadoras do Instituto Nacional da Atrofia Muscular Espinhal (Iname). Ela perdeu a irmã mais nova, Carol, em 2019, aos 34 anos, por consequências da AME.

    Há mais de um ano Carine vem usando a medicação Risdiplam, uma das três que existem para a AME. O tratamento pode retardar o avanço da doença degenerativa, é de uso contínuo, oral em forma líquida e pode ser administrado em casa pelo próprio paciente.

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    Para receber três frascos do medicamento ao mês, que custa R$ 123.835,50, ela precisou entrar com uma ação judicial contra o Estado do Rio Grande do Sul. Como o Estado não cumpriu a decisão liminar de fornecer o medicamento, os advogados precisam realizar um bloqueio judicial mês a mês para a compra do remédio. “Estou agora com processo em cumprimento provisório de sentença. Todo mês é necessário juntar orçamentos e fazer nova petição”, comenta.

    A doença genética e hereditária é causada pela falta do gene SMN1, responsável pela produção de uma proteína que “alimenta” os neurônios motores e a formação dos músculos. “Sem esse gene SMN1 nós ficamos sem essa proteína e nossos músculos enfraquecem e as funções básicas são afetadas. A respiração, deglutição, capacidade de sentar vão se perdendo, até que o paciente não senta, não respira e não se mexe sozinho”, esclarece. 

    O corpo tem um gene extra chamado SMN2, que consegue produzir 20% da proteína que o SMN1 produziria se existisse. O Risdiplam atua nesse gene, fazendo o SMN2 produzir mais proteína do que sua capacidade normal. A doença estabiliza e os pacientes conseguem recuperar algumas funções. 

    Após iniciar o tratamento, Carine relata grandes melhoras em sua resistência física, consegue ficar sentada por mais tempo sem cansar, sua respiração melhorou, conseguiu recuperar movimentos do braço esquerdo e o direito está mais forte. “Talvez quem olhe pra mim não perceba diferença, mas essas pequenas mudanças melhoram muito a qualidade de vida. Só quem tem AME sabe as dificuldades nas coisas simples e sente as mudanças durante o tratamento”, disse. 

    Ao ser diagnosticada com a irmã na Capital na década de 1970, Carine ouviu que viveria até os 11 anos apenas. A doença passou a ter mais visibilidade pelas campanhas para obter os medicamentos, e hoje os pacientes têm uma expectativa de vida muito maior com esses tratamentos.

    Que todos aqueles portadores de doenças raras e suas famílias sempre tenham força pra lutar por seus direitos. O caminho é árduo. Além da doença precisamos enfrentar as burocracias e o descaso do estado, mas com fé conseguimos fazer cumprir nossos direitos”, finaliza. Quem quiser obter mais informações pode entrar em contato com Carine pelo Instagram pelo perfil @carineschafer.

    Teste do Pezinho

    Muitas doenças raras são genéticas e podem ser diagnosticadas nos primeiros dias de vida. A triagem neonatal, por meio do teste do pezinho, é uma importante ferramenta para a detecção de várias patologias raras. O exame, realizado entre o 3º e 5º dia após o nascimento do bebê, pode identificar mais de 50 doenças. Atualmente, até sete doenças são diagnosticadas pelo teste, mas a lei de ampliação do programa, que entrou em vigor em 2022, prevê a expansão do exame. A delimitação de doenças a serem rastreadas pelo teste do pezinho será revisada periodicamente com base em evidências científicas, considerando os benefícios do diagnóstico e do tratamento precoce, priorizando as doenças com maior prevalência no país, com protocolo de tratamento aprovado e com incorporado no SUS.

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