Mensagem do dia

A dor do abandono

Publicado em: 22 de setembro de 2023 às 08:36 Atualizado em: 06 de março de 2024 às 11:51
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Ninguém para dizer adeus ou até breve

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Era uma manhã de sol quente e céu azul quando o humilde caixão contendo um corpo foi baixado à sepultura. De quem se trata? Quase ninguém sabe. Muita gente acompanhando o féretro? Não. Umas poucas pessoas. Ninguém chora. Ninguém sentirá a falta dela. Ninguém para dizer adeus ou até breve.
Logo depois que o corpo desocupou o quarto singelo do asilo, onde aquela mulher havia passado boa parte da sua vida, a moça responsável pela limpeza encontrou algumas anotações em uma gaveta ao lado da cama.
Eram anotações sobre a dor… Sobre a dor que alguém sentiu por ter sido abandonada pela família, que a deixou num lar para idosos e nunca mais voltou.
“Onde andarão meus filhos? 
Aquelas crianças sorridentes que embalei em meu colo, alimentei com meu leite, cuidei com tanto amor, onde estarão? Estarão tão ocupadas, talvez, que não possam me visitar, ao menos para dizer ‘olá, mamãe?’  Ah! Se eles soubessem como é triste sentir a dor do abandono… A dor mais doída: a solidão. É tão ruim se sentir só.
Se ao menos eu pudesse andar… Mas dependo das mãos generosas dessas moças que me levam todos os dias para tomar sol no jardim… Jardim que já conheço como a palma da minha mão.
Os anos passam e meus filhos não entram por aquela porta, de braços abertos, para me envolver com carinho… Os dias passam… e com eles a esperança se vai… No começo, a esperança me alimentava, ou eu a alimentava, não sei…
Mas, agora… como esquecer que fui esquecida? Como engolir esse nó que teima em ficar em minha garganta, dia após dia?
Todas as lágrimas que chorei não foram suficientes para desfaze-lo. Sinto que o crepúsculo desta existência se aproxima…
Queria saber dos meus filhos… dos meus netos… Será que ao menos se lembram de mim?
A esperança, agora, parece estar atrelada aos minutos… que a arrastam sem misericórdia… para longe de mim. Às vezes, em meus sonhos, vejo um lindo jardim… É um jardim diferente, que transcende os muros deste asilo e se abre em caminhos floridos que levam a outra realidade, onde braços afetuosos me esperam com amor e alegria…
Mas, quando eu acordo, é a minha realidade que eu vejo… que eu vivo… que eu sinto… Um dia alguém disse que a vida não se acaba num túmulo escuro e silencioso. E esse alguém voltou para provar isso, mesmo depois de ter sido crucificado e sepultado… E essa é a única esperança que me resta…  Sinto que a minha hora está chegando…
Depois que eu partir, gostaria que alguém encontrasse essas minhas anotações e as divulgasse. E que elas pudessem tocar os corações dos filhos que internam seus pais em asilos e jamais os visitam… Que eles possam saber um pouco sobre a dor de alguém que sente o que é ser abandonado…”

A data assinalada ao final da última anotação foi um ano antes do dia em que aquela mãe, esquecida e só, partiu para o Céu. Seguiu para aquele jardim dos seus sonhos, onde anjos afetuosos e gentis a conduzem pelos caminhos floridos, como filhos dedicados, diferentes daqueles que um dia ela embalou nos braços, enquanto vivia nesta terra.