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Carine Wendland: uma vera-cruzense no centro dos debates sobre as mudanças climáticas

Publicado em: 22 de dezembro de 2023 às 08:10 Atualizado em: 06 de março de 2024 às 16:04
  • Por
    Jaqueline Rieck
  • Fonte
    Jornal Arauto
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    Jovem de Linha Andréas foi a única brasileira representando a IECLB em conferência nos Emirados Árabes Unidos

    Uma jovem de Vera Cruz esteve na 28ª Conferência das Partes da ONU sobre mudanças climáticas (COP28), realizada de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos. Carine Josiéle Wendland, de 26 anos, cresceu na localidade de Linha Andréas e hoje cursa Doutorado em Educação pela Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), pelo qual está residindo atualmente para estudar no México.

    A pesquisadora e artista estuda a relação dos povos indígenas com a terra e faz parte da Igreja Evangélica de Confissão Luterana no Brasil (IECLB), igreja-membro da Federação Luterana Mundial (FLM) e foi indicada para compor a delegação liderada por jovens ativistas do clima de diversos países, incluindo Tanzânia, Quênia, Noruega e Indonésia, sendo a única representante brasileira. Ela é coordenadora Sinodal da Juventude do Sínodo Centro-Campanha Sul e faz parte do Fórum de Justiça Climática para América Latina e Caribe. No ano passado ela já participou da COP27 virtualmente.

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    Os objetivos da participação são integrar as negociações climáticas e apelando à ação sobre os compromissos para enfrentar a emergência climática. A entidade cobrou ainda que os estados cumpram os compromissos assumidos em conferências anteriores, como o apoio às comunidades vulneráveis. “Para mim, enquanto jovem, foi muito importante participar da COP, saber que as vozes dos mais vulneráveis, quando mais clamam, vão aos poucos sendo ouvidas, já que as alterações climáticas são uma questão de justiça intergeracional, de gênero e também intercultural”, explica.

    Apesar de acreditar que ainda há muito a reivindicar, Carine define a experiência como inspiradora, por conhecer pessoas de outros países também comprometidas com essa causa comum, e que todos tiveram espaço para falar e debater com as lideranças políticas dos países. “Mas há a questão de que os países ricos realmente não colaboram como deveriam, mesmo depois de compromissos acordados, os países vulnerabilizados seguem sofrendo as consequências climáticas”, disse.

    Carine considera os resultados do encontro tímidos, incluindo compromissos de neutralidade carbônica e de financiamento aos países em vulnerabilidade. Diz que os subsídios para eliminação dos combustíveis fósseis ainda são ineficientes, assim como a manutenção do fundo para ações de mitigação. Para ela, as ações não se encerram com a conferência e devem seguir diariamente com as pessoas. 

    Como as mudanças climáticas afetam a todos

    Para Carine Wendland, as alterações climáticas são uma questão de justiça. “As alterações climáticas têm afetado desproporcionalmente os meios de subsistência dos mais vulneráveis em todo o mundo, especialmente daqueles que muitas vezes enfrentam várias formas de discriminação e marginalização, como as mulheres que vivem na pobreza, os jovens, as crianças, as pessoas com deficiência e os povos indígenas”, esclarece.

    A pesquisadora comenta que outros profissionais que estudam a questão climática comentam que a região do Vale do Rio Pardo pode ser vista como um laboratório a céu aberto para a questão de ações contra as mudanças climáticas. O assunto foi debatido em outro evento sobre o tema, a Semana do Clima da América Latina e Caribe, realizada no Panamá, em outubro. Conforme Carine, os países do sul global sofrem mais com as mudanças climáticas, mas são a área propulsora de soluções com diversos exemplos positivos. 

    No Vale do Rio Pardo esses efeitos já são notados com as estiagens e enchentes cada vez mais frequentes.“Tem um observatório europeu que diz que talvez este 2023 seja o mais quente em 125 mil anos, esperamos que isso não esteja certo, mas infelizmente caminhamos para isso. Segundo a Organização Meteorológica Mundial, há 50% de probabilidade de o aumento da temperatura global atingir 1,5°C nos próximos cinco anos”, alerta. Esse aumento terá efeitos catastróficos, especialmente sem uma redução imediata e profunda das emissões de gases de efeito estufa, o que torna urgente acelerar as energias renováveis e os meios para isso, além de acabar com os combustíveis fósseis com uma transição justa.

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    Protestos e choque cultural em Dubai

    Por ter sido sediada em Dubai, um país que alavancou seu crescimento desde a década de 1960 com a descoberta do petróleo, a convenção teve muitos negociadores em defesa do recurso. Carine  Wendland conta que algumas discussões poderiam ter avançado mais, mas já existem mudanças positivas, porque pela primeira vez se fala sobre eliminação total dos combustíveis fósseis.

    Quanto à experiência no país do Oriente Médio e choques culturais, a vera-cruzense relata que achou Dubai uma cidade de contradições. “Eu acho que é muito diferente, porque em Dubai eles têm outros ritos, outras formas de ver o mundo também, e usam aqueles tecidos todos, as mulheres não mostram muito de si”, afirma. Enquanto isso, a cidade é extremamente moderna, com muitas construções imponentes como a maior roda gigante do planeta, e o prédio mais alto da terra, o Burj Khalifa, que a equipe de delegados foi visitar à noite após as atividades do encontro.

    Para ela, tanto as construções grandiosas e o luxo são um esforço, assim como a doação de 15 milhões para o fundo do financiamento climático, para mascarar os possíveis problemas ambientais. “As pessoas viram com bons olhos, de modo geral, só que também como uma forma de enganar os olhares, do tipo ‘a gente está fazendo nossa parte’, mas na verdade é um país petrolífero, então super poluente”, pondera. Desta forma, há um certo choque entre os participantes por ser uma cidade desenvolvida com prédios enormes, mas a crise climática está acontecendo.  

    O evento também foi marcado por diversas manifestações, que chamam atenção a temas dentro do assunto geral das mudanças climáticas. “Durante a COP a gente teve vários momentos de poder fazer alguns ‘protestos’ e, por exemplo, num momento, dizer que sem justiça de gênero, não tem justiça climática, então, isso afeta todos os homens e mulheres e, especialmente, as pessoas mais vulneráveis como os povos indígenas”, comenta. Outro ato foi em defesa dos biomas do Brasil, reunindo diversos jovens. O Brasil sediará a COP30, em 2025.

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    Ecoteologia e o papel da religião na luta contra a crise climática

    A Federação Luterana Mundial (FLM) está comprometida com a Convenção-Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (UNFCCC) há muitos anos. A IECLB é uma das 150 igrejas da FLM que está em 99 países. 45,9% das igrejas-membro estão localizadas em 34 países vulneráveis às alterações climáticas. “Como organização religiosa, contribuímos ativamente em áreas onde temos experiência, especialmente dando voz às comunidades mais vulneráveis e abordando questões de justiça climática e como Federação, temos um comitê permanente  e o nosso objetivo é agir do local para o global e de volta para o local”, comenta Carine Wendland.

    Nesta COP28, a delegação concentrou-se na justiça climática, na justiça de gênero e na justiça intergeracional. Os participantes fizeram apelos a todos os governos e outras partes interessadas para que fizessem o possível para garantir que os jovens fossem incluídos em todas as políticas e ações climáticas.

    Carine falou no Painel de Talanoa, no diálogo de abertura, refletindo sobre as dimensões que atravessam gerações da emergência climática e o papel que as comunidades religiosas devem desempenhar na abordagem da situação. Ao lado da jovem estavam lideranças de outras espiritualidades do mundo. 

    Identificada com crachá como observadora das atividades, Carine ainda tinha a possibilidade de influenciar através de conversas com lideranças, mas considera que isso é pouco em relação ao grande número de pessoas que ainda precisam ter suas vozes ouvidas por esses grandes poderes. Para ela, é importante que os jovens façam parte deste tipo de movimento, pois estão entre as populações mais afetadas pelos danos causados pelas mudanças climáticas. 

    A pesquisadora conta que a reflexão luterana é ecoteológica, ou seja, coloca o ser humano entre as plantas e animais, no meio de tudo e não acima dos outros seres. “Eu acho que isso talvez seja um motivo fator de porque a gente vê as questões climáticas aumentando, porque o ser humano não se considera parte dessa natureza. Somos parte em equilíbrio dessa natureza, ou seja, a gente também tem que cuidar dela como casa comum. Nós não somos mais importantes do que a terra que a gente pisa”, reflete. Em sua pesquisa com povos indígenas ela encontra uma visão diferente, onde a terra é a mãe e deve ser cuidada e cita a obra do escritor Ailton Krenak.