Eventos, realizados na ACEV ou no Clube Vera Cruz, não permitiam presença de homens. Mulherada comparecia fantasiada
As festas só para mulheres realizadas na ACEV marcaram parte da adolescência e da vida adulta de Bernadete Assmann, a Bidé, hoje com 64 anos. Na companhia da irmã Margarete Assmann e das amigas Irma Clarice Frantz (in memorian) e Lisane Rech, abusava da criatividade e do bom humor para montar as fantasias – a exemplo da imagem ao lado.
A inspiração para criar os trajes vinha quase sempre de novelas e artistas em alta na época. “Quando entramos na ‘era da Xuxa’, muitas se fantasiaram como a cantora e eu fui uma delas. Inclusive na festa, uma das músicas que dançávamos muito era ‘Ilariê’”, recorda Bidé que, certa vez, também usou a vestimenta de Papai Noel, em alusão ao Natal que se aproximava.
Apesar da entrada dos homens ser proibida, Bidé conta que ela e as amigas costumavam trajar roupas masculinas. Certa vez, ela e Maragarete se inspiraram na novela “O Bem Amado” e criaram sua versão masculina das Irmãs Cajazeiras – que na trama eram cabos eleitorais oficiais do prefeito Odorico Paraguaçu. “Éramos os irmãos cajazeiros, para não dizer cachaceiros”, brinca. “A gente pegava boné, óculos, sapatos e camisas masculinas e inventávamos uma fantasia. Criatividade não faltava”, complementa.
NOITE DE RISADAS
Bidé relembra que tais festas, chamadas por vezes de “Elas por elas” – inspirada em uma novela global de mesmo nome -, eram muito esperadas pelas vera-cruzenses, sobretudo, pelas noites de alegria e diversão que proporcionavam. “Dávamos gargalhadas uma da fantasia da outra e até encenávamos teatros conforme os personagens. De forma improvisada a gente ia brincando e quem tava sentada nas cadeiras ria daquelas palhaçadas. Lembro que a Irma tinha uma risada tão gostosa e quando a gente fazia todo esse teatro ela dava gargalhadas, então, a gente acabava rindo também”, relembra com carinho.
A amiga Leocadia Rech, que também tinha presença garantida nos bailes, conta que tamanho era o empenho e capricho das fantasias que as mulheres ficavam irreconhecíveis – o que tornava a brincadeira ainda mais divertida. “Algumas pareciam até atrizes de novela. Era algo artístico”, conta Leocadia. “Teve até uma vez que uma mulher vestida de homem foi barrada na entrada de tão bem caracterizada”, citam as amigas.
Hoje, volta e meia as boas recordações das festas só para mulheres ainda arrancam gargalhadas de quem participou. É através de um grupo no WhatsApp chamado de “Bons tempos” que Bidé e as amigas compartilham as fotos e tentam se reconhecer por trás das fantasias que anos atrás vestiram.
A fantasia que roubou a atenção
Natural de Belém, no Pará, Dinair de Bruchard, hoje com 61 anos, era recém-chegada em Vera Cruz quando passou a frequentar o “Jantar das Margaridas”, em 1986. Já na estreia, Dina, como é conhecida, chamou a atenção de todos com sua fantasia. “Como era um baile à fantasia, precisava improvisar. Vesti um maiô bem cavado e vermelho, que contrastava com minha pele negra, e um casaco por cima. Quando cheguei na festa e tirei o casaco todas olharam para mim e levei um susto, tamanha a grandiosidade dos trajes e da festa”, recorda as gargalhadas.
Dali em diante, Dina passou a se dedicar à preparação das fantasias sempre três dias antes do evento. Era uma roupa mais criativa que a outra e que lhe renderam diversas vezes o título de melhor fantasia. “Já fui de Tina Turner [cantora] e criei muitas personagens, como a Bombrileza. Nessa noite desfiei todo meu cabelo, que era enorme, coloquei uma saia, meias pretas, fiz uma maquiagem bem chamativa e fui. Acabei ganhando esse concurso. Outra vez, fui de garota do CD, fantasia que montei ao colar uns CDs num vestido”, conta, ao citar outras personagens, como a gata e a noiva do futuro – fantasia que vestiu quando grávida, sendo a barriga uma alusão ao futuro que estava por vir.
Segundo Dina, a noite era muito esperada por todas as mulheres, que tinham a expectativa de, como ela mesma diz, “colocar pra fora” comportamentos que tinham de reprimir diariamente perante a sociedade. “Quando cheguei em Vera Cruz, muitas mulheres não dançavam nos bailes, ficavam esperando os homens tirarem pra dançar, mas eu puxava elas pra pista. O Jantar das Margaridas era o lugar de se libertar, dançar, tomar cerveja e rir, sem se preocupar com o que iam pensar. E independentemente da classe social, a cor da pele e a idade, todas nós éramos só mulheres naquela noite”, revela Dina que, tamanho seu gosto pelo formato do evento, no aniversário de 40 anos realizou uma festa só com a presença de mulheres trajadas com fantasias.
Fantasias em grupo eram tendência
Após participar da festa só para mulheres em Vera Cruz pela primeira vez, Cláudia Maria Zuchetto Magnus, hoje com 64 anos, se encantou com a grandiosidade e não parou mais de ir ao evento. Frequentava os salões na companhia de um grupo de amigas, que usavam fantasias combinando. “Geralmente não tinha quantidade suficiente de fantasias iguais para todas, então, buscávamos em Porto Alegre ou mandávamos confeccionar todas na mesma costureira”, conta, ao mostrar as muitas lembranças da época – como as fotografias espalhadas pela mesa da sala de casa.
Para as personagens, o grupo de amigas se inspirou muitas vezes em novelas. Cláudia conta que certa vez se fantasiaram de cowgirls, uma homenagem a novela “Rei do Gado”, e de dançarinas da Casa de Campo, um bordel que fez parte da narrativa da trama global “A Indomada”. “Uma das coisas mais divertidas é que a gente não sabia como as outras mulheres na festa iam estar vestidas”, frisa Claúdia que tem como preferida a fantasia de Minnie – vestida junto da amiga Teresinha Noronha (in memorian).
A FESTA SEGUIA EM OUTRAS CIDADES
Cláudia revela que as festas aconteciam além das fronteiras da Capital das Gincanas. Diversas vezes a mulherada de Vera Cruz fretou ônibus para prestigiar o evento em cidades como Santa Cruz do Sul, Venâncio Aires e Passo do Sobrado. Da mesma forma, as moradoras de outros municípios se juntaram às festas na ACEV ou no Clube. “Cada cidade tinha seu estilo de festa. Lembro que as mulheres que organizavam a festa em Venâncio, que eram chamadas de comendadoras, usavam trajes maravilhosos, um luxo”, explica. Foi, inclusive, em um dos trajetos até a Capital do Chimarrão que Cláudia recorda um dos momentos mais embaraçosos envolvendo tais festividades. “As mulheres que estivessem indo pela primeira vez para a festa em outra cidade tinham que pagar uma prenda no caminho. Então quando eu estreei na festa de Venâncio, as colegas pediram para parar o ônibus em frente a um posto de gasolina e eu tive que descer fantasiada e perguntar se ali vendia Whisky”, rememora entre risos.
É dessa forma, com uma risada contagiante, que Cláudia recorda uma das épocas que mais marcaram sua vida. “Eu me realizava nessa noite e sei que, assim como eu, toda uma geração tem boas lembranças desses tempos em que dançar, rir e se divertir eram como atos de libertação”, conclui.
COMO FUNCIONAVA A FESTA?
“Elas por elas”, “Só elas” ou “Jantar das Margaridas”. A festa só para mulheres já recebeu diferentes nomes, mas sempre manteve o objetivo: proporcionar diversão sem pensar em julgamentos. Por muito tempo, o salão da ACEV foi palco para o jantar seguido de baile, organizado pelas esposas de trabalhadores da antiga fumageira Verafumos. Mais tarde, passou para o Clube Vera Cruz, nos mesmos moldes – em que as participantes iam caracterizadas de personagens distintos.
Com o passar do tempo, a festa evoluiu, ganhando concurso de fantasias em grupo e individual, sendo que as vencedoras levavam um mimo para casa. Também, passou a contar com a presença de caravanas vindas de cidades como Venâncio Aires e Santa Cruz do Sul, e o sorteio de brindes.
Em uma festa destinada apenas para elas, era de se imaginar que até mesmo a DJ e a fotógrafa fossem mulheres. Neusa Meert, hoje aos 55 anos, que o diga. Por vezes comandou o som no evento. “Além de tocar as músicas que embalavam as danças no salão, na hora do desfile para eleger as melhores fantasias, colocava as canções que tinham a ver com o tema de cada uma, assim, se alguém desfilava de havaiana era acompanhada de uma batida mais praiana, como um axé. Era tudo selecionado com antecedência e gravado em fitas cassete”, recorda Neusa, que costumava registrar em fotografias os melhores momentos da noite. Falando em registros, quem também clicou momentos importantes foi Lorena Petterson, esposa de Oscar, que por anos comandou o estúdio fotográfico Foto Oscar, em Vera Cruz.
Por meados dos anos 90, as participantes começaram a diminuir e a festa foi chegando ao fim. Um ciclo encerrado que, revelam as personagens desta reportagem, não perde seu brilho e importância mesmo depois de anos.
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