Lisnara transformou os desafios em força de vontade para ensinar
Os primeiros passos eram desequilibrados e isso permaneceu até os três anos de idade. Foi então que os pais de Lisnara Pra Zandonato desconfiaram e foram atrás de uma resposta. A pequena foi diagnosticada surda e uma audiometria revelou: Lisnara é surda profunda no ouvido esquerdo e severo no direito.
Sem escutar absolutamente nada, ela foi crescendo, aprendendo lições através de gestos e prestando atenção em olhares. Moradores de Caxias do Sul, a família não entendia muito sobre o problema, pois, há mais de três décadas, o assunto ainda não era pauta do cotidiano das pessoas. Não havia nenhuma história na família, nem amigos que tivessem passado pela mesma situação.
Aos quatro anos de idade, passou a frequentar a Escola Helen Keller, especialista em educação de surdos. A cada novo vocabulário, Lisnara chegava em casa e fazia questão de também ensinar a mãe. Os primeiros sinais foram água, pão, papai, mamãe, irmão e leite.
“Foi assim que se descortinou a comunidade surda, a vida sem som, a vida sem palavras faladas oralmente, vida com mãos. Mãos que falam e expressões que revelam”, relembra. Quando formou-se em 2004, iniciou Pedagogia na Universidade de Santa Cruz do Sul (Unisc), na terra da Oktoberfest. Foi então que, em sala de aula, sentiu-se insegura como há muito tempo não sentia. Lisnara então se afastou. Sabia que seus colegas não a entenderiam e nem eles saberiam se comunicar com ela.
Passaram-se um ano e meio e Lisnara iniciou um projeto com a professora Adriana Thoma, chamado Uniscriança: a inclusão digital através de softwares educacionais. A iniciativa envolveu turmas de surdos da Escola Estadual Gaspar Bartholomay, durante o ano 2007. Foi quando Lisnara, pela primeira vez, ministrou aula para mais de 20 crianças surdas.
E no momento em que se viu professora, entendeu o seu verdadeiro destino. Em 2008, descobriu o curso de Letras/Libras da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) e não teve dúvidas: Trocou de curso e passou a ser aluna no polo da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). “Eu estava então novamente estudando em uma graduação onde a Libras era a língua de acesso utilizada pelos professores e alunos”, conta.
Na Escola Estadual Gaspar Bartholomay, passou a atuar como professora de Libras, em sala de especial, de 5ª a 8ª série. Em 2010, iniciou na Escola Estadual de Ensino Médio Nossa Senhora do Rosário, atuando como professora de Libras para alunos ouvintes do ensino Fundamental, 5ª a 7ª séries e, no ensino médio. Em 2012, estava formada.
Atualmente, Lisnara continua na Escola Nossa Senhora do Rosário, onde também realiza a oficina de português escrito para os alunos surdos e também aulas de Libras para surdos e também ouvintes, do ensino fundamental e médio.
Depois da luta, o ensino
Lisnara é a única professora surda da Escola Nossa Senhora do Rosário, educandário referência na região. São 47 alunos surdos de Santa Cruz, Sobradinho, Rio Pardo, Venâncio Aires, Passo do Sobrado, Vera Cruz e Mato Leitão. O colégio proporciona uma educação especial, enquanto também trabalha a inclusão: São 358 alunos ouvintes que convivem e aprendem sobre o universo dos demais colegas.
Do 1º ao 9º ano, as aulas para surdos são em classes especiais, ministradas em Libras, a primeira língua, e em português como segunda lingua na modalidade escrita. No Ensino Médio, as turmas se misturam, proporcionando uma maior interação e diminuindo o preconceito. Por conta disso, todos os estudantes passam por aulas de Libras a fim de que o diálogo consiga ser estabelecido.
O mundo de 9 milhões no Enem
De acordo com Lisnara, são 9 milhões de surdos no Brasil. Os participantes do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem) que fazem parte desta estatística se sentiram representados na edição 2017. O tema "Desafios para a formação educacional de surdos no Brasil" surpreendeu e também agradou. “O Brasil precisou escrever sobre o assunto”, comemora a professora.
Bruna Faust tem 17 anos e estuda na Escola Nossa Senhora do Rosário. Ao abrir a prova deste primeiro domingo de Enem, ela sorriu. Sorriu porque viu sua realidade estampada ali, para tantas pessoas refletirem a respeito. “Nunca imaginei esse tema. Foi ótimo. Eu queria viver em mundo em que todas as pessoas soubessem Libras e pudessem se comunicar conosco”, diz, relembrando as dificuldades de um simples encontro de amigos no centro ou de uma necessária consulta médica.
O presente e o futuro como intérprete
Lecionar para uma turma de surdos e sem ter experiência com alunos especiais. Um desafio e tanto que a professora de matemática, Neoli Gabe teria pela frente. A missão lhe foi passada logo no primeiro dia de aula na Escola Rosário, em 2010. Porém, no primeiro contato, a melhor acolhida possível. “Eles foram muito receptivos e me disseram: nós vamos trocar, você nos ensina matemática e nós te ensinamos libras”, relembra.
Desde então, o encanto por ensinar as classes especiais provocou Neoli a querer saber mais. Depois de quatro anos lecionando para turmas de surdos e também de não surdos, ela foi convidada pela escola a dar aula apenas para as classes especiais. “Me encontrei na profissão. Fiz cursos de libras, especialização na área e agora faço Mestrado em Educação Matemática com pesquisa voltada para a educação de surdos. Me motivo a cada dia para sempre saber mais, o que fazer para ser uma melhor professora para eles” afirma.
Confira um trecho da aula:
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