Crianças e adolescentes com altas habilidades sofrem com o preconceito de quem não conhece o assunto
Os brinquedos nunca parecem muito atraentes. As conversas entre amigos são pouco interessantes. A explicação da professora em sala de aula aparenta ser óbvia demais. Não há paciência para produzir uma capa de um trabalho, pois o que importa é o conteúdo. Um livro de 200 páginas é mais legal do que uma partida de futebol. Pode não parecer, mas essa é a realidade de dois garotos da região, de 10 e 15 anos.
Essa diferença de personalidade é explicada pelo termo Altas Habilidades. Tanto Bruno quanto Vinícius foram diagnosticados assim e vivem seus dias enfrentando o lado bom e ruim. Se em um primeiro momento são considerados gênios, em outras ocasiões enfrentam o preconceito por parte de quem, muitas vezes, nem ouviu falar da situação. Altas habilidades ou superdotados se caracterizam, principalmente, pela capacidade de argumentação, pela memória excepcional, a atenção e a curiosidade incomuns, o raciocínio ágil e a extrema curiosidade.
As histórias são parecidas e se encontraram a partir do diálogo de uma mãe que, ao ver o filho ser incompreendido na escola, buscou ajuda. Ambas as mulheres possuem o mesmo relato que mostram que Bruno e Vinicius vivem dias parecidos em Santa Cruz do Sul.
Bruno tem 10 anos e não se chama Bruno. O nome dele será preservado nessa matéria. Afinal, mesmo sendo uma criança inteligente e animada, ele passa por preconceito. De acordo com a mãe, que nessa matéria será chamada de Maria, ele foi diagnosticado com altas habilidades e o que por vezes é considerado genialidade, por outras causa exclusão.
Do outro lado tem Vinicius, 15 anos, que também teve seu nome alterado. Ele e a mãe Sofia encontraram em Santa Cruz uma escola particular que estimulasse mais o adolescente. Já no Ensino Médio, ele relembra os anos de estudo: “Normalmente, as crianças aprendem desde cedo a se esforçar intelectualmente. Isso não ocorreu comigo, pois nunca houve algo que me forçasse ou me motivasse a fazer isso, fazendo de mim alguém preguiçoso na maioria dos casos. Por mais que eu tente mudar isso”, desabafa.
Para Bruno, as coisas não foram diferentes. “Na escola, sempre me senti entediado e irritado. Tenho que escrever e eu não gosto. Em matemática tenho que fazer contas e não pode ser de cabeça”, explica. A mãe Maria comenta que a opinião do garoto sempre foi a mesma: “Eu não gosto de ir a escola porque eu já aprendi tudo sozinho”. Bruno, com 4 anos, pediu o primeiro livro de astronomia. Com 5, sabia todas as funções dos órgãos do corpo humano. Com 7, a tabela periódica já era uma velha conhecida.
E a facilidade em adquirir conhecimentos também agrada Vinicius que pretende contribuir para o mundo com sua mente. Mas, isso não o deixa esquecer os obstáculos que sempre enfrentou. “É claro que as altas habilidades têm seu lado positivo e, mesmo que eu tivesse a oportunidade, nunca me livraria da minha criatividade geradora de diversão. Muitos podem dizer que as altas habilidades são uma questão de inteligência, mas a sua forma completa não é. Ela envolve pensar de uma maneira completamente diferente e, de fato, o que me isola talvez seja mais isso do que a inteligência em si”, diz o adolescente que confessa que sempre preferiu amigos mais velhos e pessoas intelectualmente ou artisticamente superiores.
“Os professores reclamam que eu pergunto demais”
De acordo com Maria, mãe de Bruno, um dos ambientes em que o garoto mais sofre é justamente onde deveria evoluir e ser aceito. O próprio menino relata: “Eu gosto dos professores, mas eles reclamam muito porque eu pergunto demais e sou agitado”.
Maria conta ainda que o filho rejeita as aulas de educação física e artística, pois prefere conteúdos e histórias. “Falta a boa vontade da escola e dos professores de resolver a situação, pois essas crianças são crianças e merecem inclusão. Ouvir reclamação sobre ele torna nossos dias mais difíceis, pois só queremos que o entendam”, destaca Maria.
Vinicius também se entristece com a falta de conhecimento das pessoas sobre o assunto. “Ter altas habilidades significa ter sempre uma opinião diferente e poucos que te entendam. É ter que escolher entre entrar em discussões a toda hora ou reprimir as suas ideias. É gostar da arte que ninguém aqui gosta. Não é como se pudesse mudar essas coisas, então o mínimo que consigo fazer é me orgulhar delas”, fala.
Sofia, mãe de Vinicius, lembra que desde o início percebeu que o filho tinha algo especial. “Ele memorizava com facilidade rótulos, propagandas, nomes de lojas e começou a descobrir os números e realizar cálculos mentais, mesmo antes de ir para a escola. Lembro que a babá dizia: “O Vini é diferente”. Eu perguntava: “Diferente como?” E ela: “Não sei, mas ele é diferente.”
O garoto não gostava de brincar, preferindo ficar sozinho, dizendo que estava criando filmes. Gostava de ir para a janela da sala do 3° ano assistir a aula que lhe parecia mais interessante que a dele. A convite da professora, às vezes entrava e ia para o quadro dar aula. Isso o fez passar do 2º ano direto para o 4º. “Quando a professora insistia para jogar bola, ele se oferecia para formar os times e dizia que ele era o cérebro e os colegas, os músculos. Nunca conseguiu escrever letra cursiva. Isto deve-se ao fato do pensamento ser muito rápido, como se a mão não conseguisse acompanhar. Geralmente eles tem letra feia, pois o intelectual desenvolve bastante e a coordenação motora fica comprometida. Aos poucos, fomos pesquisando, lendo e entendendo certas coisas”, narra Sofia.
Palavra de profissional
Alessandra Steffens Bartz, psicóloga, neuropsicóloga e mestre em psicologia do Desenvolvimento, define altas habilidades como o alto potencial muito acima da média, tendo o QI igual ou maior que 130. São crianças com capacidade de liderança e criatividade. “Ela é uma variação da nossa capacidade intelectual. Tem as baixas e as altas”, diz Alessandra que destaca que a característica não é considerada doença.
Porém, por falta de conhecimento das pessoas e pelas dificuldades enfrentadas pelos portadores, muitas vezes ela causa problemas. “As pessoas podem ter um transtorno de ansiedade, depressão ou algo similar”, diz. Por isso, a importância da atenção dos pais e dos professores. “Devem procurar ajuda de profissionais que estimulem as crianças adequadamente, para o desenvolvimento das capacidades”, destaca.
Na escola, Alessandra salienta que o tratamento deve ser diferente do de outros alunos. “Eles precisam ser mais estimulados e, para isso, são necessárias atividades mais complexas. Por exemplo: Eles farão uma pesquisa mais ampla que os colegas sobre o mesmo tema. As habilidades deles devem ser aproveitadas e eles podem contribuir para enriquecer a aula de todos”, fala. Ela ainda argumenta sobre a importância de deixar claro aos demais a característica que possuem e da relevância da interação entre pessoas com a mesma particularidade.
É preciso ainda cuidar o lado emocional. “Muitas vezes eles são imaturos para o alcance que o cérebro deles têm, assim como eles também não se interessam pelos assuntos da faixa etária”, pontua, destacando que é preciso diálogo para não haver exclusão.
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