Sensação que ficou após percorrer os cinco municípios da região mais afetados pela enchente é que precisamos ir além
É preciso ir além. Essa é a sensação que ficou comigo após percorrer, nos últimos dois meses, os cinco municípios da região mais afetados pela enchente. O objetivo desse roteiro foi ouvir de perto moradores, gestores públicos e especialistas, com o intuito de produzir um material multiplataforma sobre o primeiro ano da cheia que devastou o Vale do Rio Pardo e outras áreas do Rio Grande do Sul entre o final de abril e o início de maio de 2024. As reportagens começam a ser divulgadas nesta quarta-feira (30).
Embora a reconstrução tenha avançado em vários pontos e muitos grupos já tenham retomado a rotina, dentro do possível, a maioria das ações preventivas ainda é insuficiente. A recuperação pública tem sido lenta, principalmente por causa da morosidade nas licitações. É verdade que o que aconteceu no ano passado foi algo raro. Moradores mais antigos não se lembram de um evento tão devastador, capaz de arrastar 30 casas quase que simultaneamente, como ocorreu em Rio Pardinho, no interior de Santa Cruz.
A última vez que a área presenciou algo parecido foi em 1941. No entanto, especialistas alertam que os estudos realizados nos últimos meses indicam que eventos climáticos extremos tendem a ser mais frequentes. O Tá na Hora, reunião-almoço promovida pela Associação Comercial e Industrial (ACI) de Santa Cruz, discutiu o tema em junho, com a presença do doutor em Desastres Naturais, Marcos Kazmierczak, que apresentou essas previsões. Para ele, é preciso aumentar a resiliência diante desses desafios climáticos.
Um ano após a tragédia, o desassoreamento – considerado por muitos como uma solução urgente – começou em algumas áreas, mas é claramente insuficiente. Em Sinimbu, por exemplo, o prefeito anunciou um estudo técnico e a primeira etapa de desassoreamento, com recursos do governo estadual, contemplará 260 metros de leito do rio próximo à Ponte Centenária, destruída pela enchente. Embora os trabalhos tenham começado, o chefe do Executivo reconhece que ainda há muito a ser feito. Um estudo apontou cinco pontos críticos em Sinimbu que necessitam de ações de desassoreamento.
Em Santa Cruz, embora algumas ações tenham sido iniciadas, como a instalação de sirenes de alerta em áreas de risco, os resultados ainda são tímidos. Em breve, uma licitação deve ser lançada para contratar uma empresa que fará um estudo técnico, indicando as obras mais urgentes de prevenção. Contudo, esse estudo está sendo feito um ano após a enchente. Quando, afinal, as obras começarão a acontecer? Não é um problema exclusivo de Santa Cruz, mas uma realidade regional e até estadual. A questão ambiental deve ser prioridade, mas e se uma nova enchente acontecer nos próximos meses? Estamos preparados?
Vera Cruz tem se destacado por suas ações preventivas. Embora tenha sido a cidade menos afetada entre as cinco visitadas, até pelas características do território, a Prefeitura tem trabalhado para fortalecer os pontos mais vulneráveis, como a ERS-409. O acostamento foi danificado pela força da água, levando parte da terra que sustentava as tipuanas às margens. As equipes recuperaram o acostamento e também implantaram uma barreira de terra para apoiar as árvores, evitando que suas raízes ficassem expostas. Segundo pesquisadores, as tipuanas ajudaram diminuir a força da correnteza e reduziram os danos na rodovia.
Desastres naturais, como o enfrentado no ano passado, podem funcionar como marcos de ruptura, momentos que exigem reavaliações coletiva. Embora possa abrir janelas para mudanças, a reconstrução feita sob a lógica da urgência muitas vezes acaba aprofundando fragilidades preexistentes. O exemplo mais recente vem da análise feita por Lisangela Albino, em 2014, sobre a reconstrução pós-enchente na região dos Baús, em Ilhota, Santa Catarina. Dez anos após a tragédia, a vulnerabilidade socioeconômica da população se agravou.
Dentro dessa lógica, o conceito de reconstruir melhor surge como uma diretriz internacional. Trata-se de aproveitar o momento da recuperação para promover transformações estruturais que aumentem a resiliência das comunidades afetadas. Segundo a United Nations International Strategy for Disaster Reduction, a recuperação, reabilitação e reconstrução devem incorporar medidas de redução de riscos, restaurar a infraestrutura de forma mais segura e promover o desenvolvimento sustentável e equitativo. A pergunta que fica é: estamos realmente reconstruindo melhor?
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