Tenente-coronel aposentado da Brigada Militar vai a júri popular nesta segunda-feira, no Fórum de Vera Cruz, pela morte de três pessoas
A segunda-feira (29) é um dia aguardado para a família de Jorge Antônio dos Santos, o Jorginho, que teve sua vida transformada, dilacerada, após o acidente na RSC-287 que vitimou sua esposa, Vitória Terezinha Morsch dos Santos, e os pais dela, Hugo e Herta Morsch. O júri está marcado para começar às 9h30min, no Fórum de Vera Cruz, e será presidido pelo juiz Guilherme Roberto Jasper. O sorteio seleciona 21 membros da lista de jurados, mas permanecem durante o plenário apenas sete, sorteados na hora. O advogado de defesa do réu, o tenente-coronel aposentado da Brigada Militar, Afonso Amaro do Amaral Portella, é Daniel Figueira Tonetto, e os assistentes de acusação (advogados das vítimas) são Rafael Staub e Tatiana Vizzotto Borsa.
Mas até chegar ao dia do julgamento, em que a família só pede por justiça após o caso se arrastar por quase 10 anos, é preciso voltar ao dia em que essa história começou. E por mais tempo que passe, jamais será esquecida por quem a viveu, tem na pele suas cicatrizes, na memória as cenas inapagáveis e numa rotina, de dia após dia, ano após ano, de mudanças permanentes, de filhas que se tornaram mães do próprio pai, e que precisam conviver com a saudade dos avós e daquela que era o porto-seguro para todos, e que atendia por Vitória.
Era entardecer de 14 de novembro de 2014 quando Jorginho, Vitória, Hugo, Herta e Ana Luiza saíram de Vale do Sol rumo a Santa Cruz pela RSC-287, no Gol vermelho de Hugo. Em questão de instantes, o destino jamais chegaria. Ana Luiza, na época com 13 anos, acompanhou o passeio sentada no banco traseiro, entre a mãe e a avó, e é precisa nas lembranças: “a mãe falou: olha ali. E o pai virou com tudo a direção, mas o carro estava muito perto de nós quando invadiu nossa pista”. Depois lembra pessoas a chamando e não conseguia se mexer, e quando a retiraram ficava perguntando: “e minha mãe, minha mãe?”
Ana Paula, outra filha, antes de ir para a faculdade, naquele dia, fora abordada pela mãe que insistia em um abraço e um pedido para que dissesse que a amava. Sem saber, foi o último abraço. Já na faculdade, o telefone não parava de tocar. Quando finalmente atendeu e soube de um acidente com um carro como o do avô, com duas vítimas, deslocou-se rapidamente ao Hospital Santa Cruz para, aos poucos, tomar conhecimento da gravidade da situação.
Foi Ana Júlia, que estava em Vale do Sol, que foi até a cena da tragédia. Ela conta, aos prantos, que saiu correndo do carro e foi até os veículos destroçados. A cena que jamais sairá de sua memória foi a de destapar o corpo e descobrir que ali estava sua mãe. O choque, o terror, o desespero, um misto disso tudo ainda hoje é sentido pela jovem, que ainda viu seus avós sem vida. O pai havia sido tirado das ferragens e já estava no hospital, assim como a irmã. “Ele estava com a cabeça inchada, parecia que ia explodir”, conta. O estado dele era gravíssimo. Era a luta pela vida, muitas cirurgias, cicatrizes, sequelas e meses de internação após a UTI.
E no meio disso, da caçula hospitalizada, do pai lutando para sobreviver, as irmãs mais velhas, Ana Paula e Ana Júlia, precisavam dar conta de um velório triplo. Ana Paula recorda da roupa escolhida para vestir a mãe, uma que ela ganhara e disse que se achou linda. Precisaram ser mães de Ana Luiza numa adolescência difícil e aprenderam a ser mães do pai também, pois ele passou a ser totalmente dependente para tudo. O trio de irmãs precisou amadurecer rápido demais. Foram amparadas pelos tios e tiveram que seguir com a dor e a superação. Elas se agarraram na esperança de não perder Jorginho e jamais se acomodaram com sua condição, ainda que os danos com o acidente sejam irreversíveis.
Saudade do porto-seguro
Hoje, elas compartilham a saudade da mãe que sempre fez tudo por elas, sempre foi o porto-seguro de todo mundo. “Qualquer probleminha, era na Vitória que se agarravam. Ela nos fez forte para passar por isso. Ela nos deu tanto amor, que a gente sabia que tinha muito amor e que por conta disso tínhamos que aguentar. Era o ser humano mais incrível que conhecemos”, falam, em coro. A mãe tinha dores da fibromialgia, mas jamais deixava transparecer, era a alegria em pessoa. Era aquela que estava disposta a levar a torrada quentinha na parada de ônibus, para a filha não ir de estômago vazio para a faculdade. As demonstrações de cuidado para com o outro falavam por Vitória. E traduziam quem ela era. E quem ela sempre será no coração da família e de quem a conheceu. “Isso nos fez fortes. Saber o quanto de amor ela entregou para as pessoas, talvez essa tenha sido a missão dela”, sublinham.
Para a família, o que buscam agora é justiça, que não haja impunidade. “Ele sabia o que estava fazendo e o que poderia fazer”, resume Ana Luiza. Ana Paula diz que espera a condenação do réu e que por um dia, que ele passasse ao lado do pai para entender o quanto a vida da família mudou, quanto ele precisa de ajuda para tomar banho, se vestir, cortar a comida, se comunicar. Para tudo isso, Jorginho necessita de auxílio e nunca teria sido procurado pelo condutor do veículo Vectra que colidiu contra o Gol e acabou ocasionando o acidente fatal. “Não pode ser normalizado o consumo de bebida e depois pegar o volante”, clama a jovem que sobreviveu à tragédia.
Segundo a investigação da Polícia Civil, o condutor do Vectra estaria em alta velocidade, teria invadido a pista contrária, e ainda estaria sob o efeito de bebida alcoólica. Ele foi indiciado por triplo homicídio, lesão corporal grave e lesão corporal gravíssima, com dolo eventual. Segundo a advogada Tatiana Borsa, que atua em nome da família das vítimas, “a expectativa é que realmente após quase 10 anos o júri ocorra e a Justiça seja feita com a condenação do acusado”. Procurado pelo Portal Arauto, o advogado Daniel Tonetto, que defende o réu, Afonso Portella, não se manifestou até o momento para a reportagem.
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