Colunista

Álvaro Werner

Ponto de Encontro

Vida longa para a máquina de escrever

Publicado em: 26 de abril de 2024 às 08:00 Atualizado em: 30 de abril de 2024 às 10:55
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ASDFGH, quem conhece essa sequência, com certeza passou por algum curso de datilografia. Na metade dos anos 60, quando cursava o ginasial como interno do Colégio Evangélico Alberto Torres, em Lajeado, era obrigatório a prática de datilografia na 4ª série. Isso garantiria acesso a um bom emprego, diziam os professores. A sala comportava 20 máquinas de escrever, antigas, quadradas, dos anos 50 ou anteriores, entre Triumph, Remington, Royal, Continental e outras. Uma hora de aula por semana sempre com a supervisão do professor que conferia se estávamos evoluindo. Com um alfinete e escova limpávamos os tipos, se necessário a fita era trocada e usava-se um óleo apropriado para lubrificação. Ao final da aula cobria-se a máquina com uma capa. Quem tinha máquina em casa mostrava mais destreza. Como participava da diretoria do Grêmio Estudantil, praticava na edição mensal do jornalzinho feito à base de datilografia e mimeografado. Um texto era manuscrito no quadro e, sob vigilância do professor, deveria ser datilografado sem olhar para o teclado. Ninguém era reprovado. A prova era para apenas para conferir que um básico tinha sido assimilado.

DEPOIS dos anos de internato e um tempo de “república”, fui convocado para a prestação do serviço militar obrigatório e formei fileiras na 2ª Companhia do 8° Regimento de Infantaria de Santa Cruz do Sul. Os primeiros tempos eram de adestramento militar, muita ordem unida, atividades físicas, pista de aplicação, entre outras. Lá pelas tantas, com a companhia em forma, o oficial comandante perguntou em alto e bom som: – Quem sabe datilografar com os dez dedos? Não quero picador de milho! Levantei a mão e identifiquei-me. – Fora de forma e apresente-se ao cabo Cléo, ordenou. De imediato, na secretaria da Companhia me apresentaram um texto que deveria datilografar. Fui aprovado na hora, o que mudou completamente minha rotina na caserna. O cabo daria baixa em seguida, aprovado em concurso público, e passei a ser responsável por todos os serviços administrativos da Companhia, desde relatórios, escala de serviços, correspondência, planos de atividades, lista de chamada e efetividade, licença para trânsito à paisana, atendimento do telefone na ausência do oficial, anotando horário e quem contatou. Depois de um ano e quinze dias, ao dar baixa, o comandante distinguiu-me com um Diploma de Mérito. Missão cumprida.

DE volta à vida civil, fui admitido como escriturário da Prefeitura Municipal em 1970, tempo do prédio antigo, com frente para caixa d’água (foto). Certidões, recibos, formulários, leis, decretos, portarias, tudo era datilografado. Um dia, quase ao final do expediente, o prefeito Nestor Frederico Henn me incumbiria de datilografar um anteprojeto de Código Tributário. Apresentou um rascunho de umas trinta laudas com alterações e rabiscos. Teria que ser em duas vias, sem rebatidas. Depois de pronto deveria deixar em sua mesa, pois às cinco da matina iria a Porto Alegre. Troquei a fita, limpei os tipos e dedos à máquina… Tudo ia bem, até que pela meia-noite desabou uma daquelas tempestades de verão que inundou a prefeitura. O dedicado zelador, seu Leonardo Adiers e eu ficamos segurando uma das portas que abriu com a força do vento. Passado o pior, com pregos e martelo consertamos a porta, secamos o chão e por sorte meu trabalho não foi prejudicado. Consegui terminar a tarefa conforme o prefeito determinara. Com a evolução da tecnologia, vieram as máquinas elétricas, eletrônicas, até chegar aos leves teclados de computadores e notebooks. Máquinas de escrever viraram peças de museus, mas ainda hoje preservo a minha Olympia Splendid com a qual redigia os textos para o Arauto. Vida longa para a máquina de escrever.