Colunista

Moacir Leopoldo Haeser

Socorro! Querem me matar!

Publicado em: 25 de junho de 2024 às 12:27
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A controvérsia é grande. Invoca-se o direito da mulher ao seu corpo, legislações estrangeiras e posições de órgãos de direitos humanos

Durante o período que atuei como Juiz nunca tive nenhum caso de infanticídio, previsto no art. 123, do Código Penal, que consiste em matar, sob a influência do estado puerperal, o próprio filho, durante o parto ou logo após.

O estado puerperal pode ocorrer logo após o parto. Momento de sofrimento e período de readaptação do corpo da mulher após o nascimento do bebê.  Esse período traz diversas alterações físicas e psicológicas, gerando uma grande variação hormonal, sendo comum a ocorrência de depressão pós-parto.

Também não tive nenhum caso de julgamento de crime de aborto. Ambos os crimes são de competência do Tribunal do Júri, pois dolosos contra a vida, como previsto no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal.

Nunca ocorreu, igualmente, nenhum pedido de autorização judicial para realização de aborto e, certamente, teria grande dificuldade em deferi-lo. Quando estudante de direito fizemos uma visita ao Instituto de Criminalística do Estado. Até hoje me impressiona aquela coleção de vidros com bonequinhos perfeitos, de todos os tamanhos, conservados em formol, os maiores com buracos na cabeça, ou nas nádegas, causados por agulhas de croché.

Veja-se que o aborto é previsto como crime nos arts. 124, 125 e 126 do Código Penal, seja provocado pela própria mãe, ou por terceiro, com ou sem consentimento dela, se capaz de consentir, apenas alterando a dosagem da pena. A pena é aumentada em um terço se resulta lesão grave e duplicada se resulta morte.

Desde algum tempo tem surgido orientações médicas e judiciais autorizando o aborto em alguns casos especiais.

Nota técnica do Ministério da Saúde do governo anterior estabeleceu o prazo de 21 semanas e seis dias de gestação para realização de abortos considerados legais. No atual governo houve revogação dessa nota, por não haver previsão de nenhum prazo na lei penal, porém foi em seguida revogada, mantida a regulamentação anterior.

A prática seria realizada mediante uma injeção letal no coração do feto.

Em abril de 2012, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu que a gestante tem liberdade para decidir se interrompe a gravidez caso seja constatada, por meio de laudo médico, a anencefalia do feto.

A norma autorizadora de aborto, em casos especiais, é a do art. 128 do Código Penal, assim redigida:

Art. 128. Não se pune o aborto praticado por médico:

I – se não há outro meio de salvar a vida da gestante;

II – se a gravidez resulta de estupro e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.

É trágico obrigar uma mulher a manter uma gravidez fruto da violência, mas note-se que a lei não diz que não há crime, como o faz no art. 23 do Código Penal – NÃO HÁ CRIME quando o fato é cometido em estado de necessidade, legítima defesa ou em cumprimento de dever legal – mas apenas QUE NÃO SE PUNE.

Não há previsão de autorização judicial, portanto, para realizar aborto, nem de isenção por aborto em caso de anencefalia. Mais uma vez o STF extrapolou, avançando na seara do Legislativo pois quando o legislador não autoriza, negado está.

Recentemente trava-se luta surda entre o Congresso e o STF a respeito desse e outros temas. Enquanto a Corte caminha no sentido da liberação do aborto, tramita no Senado Projeto de Lei do Senador Flávio Arns que criminaliza o aborto de anencéfalo, liberado pela Corte.

Na Câmara de Deputados tramita o PL 1904/2024 que criminaliza como homicídio, quando houver viabilidade fetal presumida, em gestações acima de 22 semanas, inclusive nos casos previstos como não puníveis, como a gravidez resultante de estupro.

A controvérsia é grande. Invoca-se o direito da mulher ao seu corpo, legislações estrangeiras e posições de órgãos de direitos humanos. Manifestam-se a Ordem do Advogados e as entidades religiosas e discute-se a o números de meses do feto em que o aborto seria admitido.

Só esqueceram de perguntar ao principal interessado que, se tivesse voz, certamente gritaria:

Socorro! Querem me matar!