Enquanto a enchente que atingiu o Vale do Rio Pardo nas últimas semanas levou vidas, animais e propriedades, muitas vítimas sentiram o impacto com a perda de suas lembranças de uma vida. Se o trabalho e o tempo podem trazer de volta as posses, as recordações são únicas. Os álbuns de fotografias, ainda que cobertos pela lama que invadiu casas e destroçou realidades em Santa Cruz do Sul e nos municípios da região, são o registro dos momentos que não voltam: aniversários, casamentos, o nascimento dos filhos, batizados, festas e momentos entre amigos, entes queridos que já se foram e tempos de infância há muito passados. O carinho e o apego que se tem com as fotografias é mais uma dor que maltrata quem perdeu tanto.
Para auxiliar nesse momento, uma empresa familiar que atua no setor há mais de 20 anos se disponibilizou a tentar recuperar esses registros de graça durante o mês de maio, ajudando quem foi atingido pelas enchentes a reaver uma parte tão preciosa de suas vidas que as águas não conseguiram levar embora.
Assim que os danos na enchente em Santa Cruz do Sul começaram a ser conhecidos, clientes e amigos passaram a entrar em contato com a equipe da Pretzel Fotos e Produção Digital pedindo ajuda. Diante da possibilidade de perder os registros da família, carregados de incalculável valor sentimental, muitas pessoas estavam desesperadas.
Luisa Elena Pretzel, filha dos proprietários, sugeriu ao pai, Lauri Roni Pretzel, que eles auxiliassem de forma online como recuperar as fotos que foram danificadas. “O pai se prontificou e falou para as famílias que não estavam conseguindo levar as fotos até a Foto Pretzel que ele faria todo esse processo sem custo”, conta a fotógrafa. O serviço foi divulgado através das redes sociais e muitas pessoas atingidas buscaram ajuda.
Conforme Luisa, uma dezena de contatos foram por mensagem pelo Instagram, onde ela passou as orientações para que as pessoas realizassem o procedimento por conta própria. Até o momento, quatro famílias já levaram suas fotografias para a empresa e mais de 2 mil fotos já foram recuperadas. Os proprietários das imagens são, em geral, moradores do Bairro Várzea e do Rio Pardinho.
Lauri explica que o processo deve ser feito de forma minuciosa, separando as fotos que estejam grudadas, removendo as folhas plásticas dos álbuns e após, colocando para secar. O empresário iniciou sua jornada na fotografia em 1985 na Base Aérea de Santa Maria, onde serviu e conheceu a profissão, passando a fotografar casamentos. Hoje a esposa, Neusa, e as três filhas também atuam na área e a empresa oferece cobertura de eventos, fotos em estúdio e laboratório de impressão.
“Pela experiência que a gente tem, para recuperar a foto tem que ter um certo cuidado. No início peguei fotos que eu simplesmente consegui lavar embaixo da torneira e ficou bom, mas tem outras que estão se deteriorando de tão úmidas que estão”, relata. O objetivo da ação para pai e filha vai além de salvar as fotos, significa resgatar a história dessas pessoas. “São as memórias que elas têm que não vão mais voltar, que elas não têm em outro lugar”, ressalta Luisa.
O processo, além de ser demorado, por ser realizado manualmente, foto por foto, e tem sido prejudicado pelo tempo, já que desde o início do período de chuvas foram poucos dias de sol para ajudar a secar os materiais. “Estamos no processo recente e demora bastante todo o processo da primeira secagem, para salvar fotos e depois lavar para limpar e secar de novo. O tempo não estava colaborando, hoje que saiu um sol”, disse Luisa.
Quando perguntado sobre o impacto que recuperar essas fotos pode ter para quem perdeu tanto, Lauri se emociona. “As histórias das pessoas são muito importantes. Além de poder tirar as fotos, hoje poder conseguir resgatar elas e ajudar traz uma satisfação imensa no meu coração”, finaliza Lauri Pretzel.
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As dicas dos profissionais para salvar fotos
De acordo com Luisa e Lauri Pretzel, o passo mais importante na hora de tentar recuperar as fotos que tenham sido danificadas na enchente é deixar que todos os materiais sequem. As fotografias e álbuns devem ser colocados para secar antes de tentar mexer nas fotos individualmente, o que pode danificar ainda mais. “A fotografia é feita por químicos, se fica muito tempo uma na outra com umidade, se pegar de forma errada e mexer, acaba misturando toda a imagem e se perde a foto”, esclarece Luisa.
Após colocar as fotografias danificadas pela água no sol ou em local ventilado para secar, é preciso separá-las. Neste momento pode ser necessário molhar a foto mais uma vez na hora de limpar as sujeiras e o barro da enchente. Em muitos casos, Lauri usa uma faca para separar as imagens que estejam grudadas, removendo com cuidado a película plástica dos álbuns e então, deixando cada foto secar mais uma vez.
Na casa da família Pretzel, as caixas de fotos recebidas das famílias foram tratadas uma a uma. Mesas, sofás e outras superfícies foram cobertas pelas imagens secando. O processo detalhado foi compartilhado pela filha de Lauri no Instagram.
Infelizmente nos casos em que a água e a lama lavaram a imagem removendo os produtos químicos da revelação, ou que a foto ficou manchada, não há como recuperar. Os profissionais orientam que o que não deve ser feito é molhar ainda mais as fotos que já estão encharcadas. “Tem que secar naturalmente primeiro, para depois conseguir separar foto por foto e, daí sim, lavar ela rapidamente para tirar sujeiras”, explica Luisa.
De cada 10 fotos, duas foram salvas
Em Venâncio Aires, a casa da família do escritor Dan Poletti foi uma das afetadas pelas enchentes. Na última vez que a residência foi atingida, em 2014, os álbuns de fotografias estavam dentro de um baú e ficaram protegidos. Desta vez, a água chegou a 1,90 metro, ocupando totalmente o primeiro pavimento da casa.
O baú com as fotos virou, espalhando as memórias da família. “Quando a gente conseguiu finalmente entrar em casa, a tristeza foi enorme, porque muitas fotos boiaram para outros cômodos. A gente literalmente teve que tirar lama para encontrar essas fotos”, menciona Dan.
Com tantas urgências para limpar a casa, não houve tempo suficiente para cuidar das fotos uma por uma. O processo levou dias e a família acabou perdendo muitas das imagens. Após lavar as fotos em uma bacia e remover o barro, ele e a companheira secaram pendurando as fotos em varais e estendendo sobre cobertores. “Eu posso dizer que de cada 10 fotos que a gente tinha, duas se salvaram intactas, umas seis a gente conseguiu salvar parcialmente, e duas foram perda total”, lembra o escritor. A ideia dele é realizar uma exposição fotográfica sensorial para contar os dias de enchente.
Lucia teve ajuda para resgatar fotos de família
Os moradores do Bairro Várzea, em Santa Cruz do Sul, Lucia Lemos e Boaventura Lemos, nunca haviam presenciado uma enchente como a dos últimos dias, mesmo residindo no local há quase 40 anos. Junto com todos os móveis e eletrodomésticos perdidos na água, estavam as fotografias da família que estavam na casa.
A aposentada de 61 anos ficou sabendo da iniciativa da Foto Pretzel através de um grupo da comunidade e decidiu pedir ajuda. Na última terça-feira, dia 14, recebeu de volta uma caixa com dezenas de imagens que representam a vida da família, momentos importantes com as filhas e os três netos. “Quando entrei em casa me deu uma sensação, parecia que tinham revirado tudo. Eu não tinha me dado conta da intensidade da água, da sujeira. Pensei que era só uma bagunça, a gente ia levantar os móveis e estaria tudo bem”, relembra.
Com o mutirão para limpar a casa e remover o entulho, a família ia recuperando as fotos espalhadas pela casa. Muitas imagens que estavam em quadros e porta-retratos ficaram danificadas, outras foi possível recuperar. “Todas elas têm uma história, uma recordação, onde tu esteve, as festas de 15 anos das minhas filhas, comunhão, festas de Natal e de aniversário”, comenta.
Uma das poucas imagens de quando era criança, em sua Primeira Comunhão, ela achou que havia sido perdida também, mas foi recuperada junto com outros registros. Já uma lembrança escolar do marido, ficou protegida pelo quadro e já voltou ao local de honra no móvel da sala.
A última vez que a casa havia sido alcançada pela água havia sido em 2010. Desta vez, a ligação de uma sobrinha alertou o casal de que deveriam sair de casa e colocar para o alto o que fosse possível. Eles se refugiaram na casa da irmã de Lucia e retornaram para descobrir que a enchente tinha passado da altura do batente da porta, levando no caminho boa parte do que eles haviam conquistado em uma vida de trabalho. Além de roupas, documentos e armários, o teclado que havia sido presente de Lucia para o marido se perdeu.
Apesar das perdas, o casal se comove com a bondade dos voluntários, e além da ajuda com a recuperação das fotos cita as pessoas que, de forma independente, auxiliaram na limpeza da casa e aquelas que passaram no bairro fazendo a distribuição de marmitas com refeições e lanches, quando eles ainda nem podiam preparar alimentos.
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