Criticava-se que a arma seria o “instrumento de trabalho” do traficante no exercício de sua “atividade”, o que causou furor
Causou furor na mídia e nas redes sociais a decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que a posse de arma de fogo pelo traficante de drogas não é crime.
Criticava-se que a arma seria o “instrumento de trabalho” do traficante no exercício de sua “atividade”.
Há muitas decisões técnicas que ao leigo, ou a quem não está familiarizado com o tema, parecem absurdas. Para muitas pessoas que me questionaram, respondi que a decisão estava correta e que tentaria explicá-la de forma compreensível no próximo artigo.
Em direito existe a progressão criminosa, quando o agente pratica atos de menor gravidade e segue sua conduta criminosa culminando com a prática de crime mais grave. Os primeiros atos são, por assim dizer, degraus da conduta final que o agente se propôs, ou delitos mais leves que progridem para o crime mais grave. Exemplo clássico seria quando o agente causa repetidas lesões na vítima e acaba por consumar um homicídio. Não irá responder pelas lesões, mas apenas pelo crime de homicídio.
Há casos em que a conduta ilícita é um degrau necessário do crime praticado pelo agente. O exemplo clássico seria quando o agente porta uma arma de fogo de forma ilícita, sem licença de autoridade competente, e usa essa arma para matar seu desafeto. Nesse caso o porte ilegal de arma é subsumido na conduta de homicídio, ou seja, é o meio para atingir o fim.
Também há circunstâncias em que a lei prevê causas especiais de aumento de pena ou causas qualificadoras do crime. Não se pode aplicar dupla punição pelo mesmo fato.
No caso de tráfico de drogas a lei prevê aumento da pena por uso de arma na prática do crime de tráfico.
O artigo 40 da Lei 11.343/2006, conhecida como Lei de Drogas, estabelece no Inc. IV que as penas por tráfico de drogas “serão aumentadas de um sexto a dois terços se o crime tiver sido praticado com violência, grave ameaça, emprego de arma de fogo, ou qualquer processo de intimidação difusa ou coletiva.”
O porte ilícito de arma de fogo é crime autônomo, mas como a lei prevê a causa especial de aumento de pena, há que se considerar sua absorção pelo crime de tráfico.
O entendimento foi fixado pela Terceira Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ), ao julgar o Tema 1.259 dos recursos repetitivos, sob a relatoria do ministro Reynaldo Soares da Fonseca. A controvérsia dizia respeito à hipótese de “absorção do crime de porte ou posse ilegal de arma de fogo pelo delito de tráfico de drogas majorado”.
O conflito aparente de normas penais é assim resolvido quando o delito se revela meio necessário ou normal na fase de preparação ou execução de outro crime, ou seja, quando há nexo de dependência entre as condutas. A majorante é aplicada caso o artefato tenha sido apreendido no mesmo contexto da traficância.
Assim, não será aplicada pena pelo crime autônomo do porte ilegal de arma, porquanto prevista como causa especial de aumento de pena do crime de tráfico de drogas.
Daí a conclusão da mídia social de que não será crime (autônomo) por ser o instrumento de trabalho do traficante, ou seja, usado na pratica do tráfico de drogas.
A tese repetitiva foi fixada nos seguintes termos: “A majorante do artigo 40, inciso IV, da Lei 11.343/2006 aplica-se quando há nexo finalístico entre o uso da arma de fogo e o tráfico de drogas, sendo a arma usada para garantir o sucesso da atividade criminosa, hipótese em que o crime de porte ou posse ilegal de arma é absorvido pelo tráfico. Do contrário, o delito previsto no Estatuto do Desarmamento é considerado crime autônomo, em concurso material com o tráfico de drogas”. Tema 1.259 dos recursos. RECURSO ESPECIAL Nº 1.994.424 – RS (2022/0093993-1).
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