Polícia

Caso Rafael: Primeiro dia de júri é marcado por depoimentos de delegados e da ex-professora do menino

Publicado em: 17 de janeiro de 2023 às 06:55 Atualizado em: 04 de março de 2024 às 16:40
  • Por
    Eduardo Elias Wachholtz
  • Fonte
    Portal Arauto e TJ/RS
  • Foto: Juliano Verardi/DICOM/TJRS
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    Julgamento teve início nessa segunda-feira e está sendo realizado em Planalto

    As primeiros horas do júri da morte de Rafael Mateus Winques, de 11 anos, contou com depoimentos de dois delegados e da ex-professora da criança. O julgamento teve início nessa segunda-feira (16) e está sendo realizado em Planalto, cidade onde a família morava, na Região Norte do Rio Grande do Sul.

    O diretor da Divisão de Homicídios do Departamento de Homicídios e de Proteção à Pessoa, Delegado de Polícia Eibert Moreira Neto, foi ouvido à distância, via plataforma digital. Ele foi convocado pela Chefia de Polícia para auxiliar nas investigações da morte do menino Rafael Winques, ocorrida em maio de 2020. Seu depoimento ficou focado no segundo interrogatório de Alexandra, realizado em Porto Alegre, após ela ter assumido a autoria do crime. A versão da ré mudou e ela acusa o pai do menino, Rodrigo Winques, de ter matado o filho.

    De acordo com o Delegado, na ocasião, teria havido um impasse envolvendo Alexandra e os seus defensores, o que foi negado por eles, que considerou que a cliente não tinha condições de prestar aquele depoimento. Para esclarecer os fatos aos jurados, a magistrada autorizou que o interrogatório, que foi gravado, fosse reproduzido na íntegra no plenário do júri.

    Interrogatório

    Eibert enfatizou que Alexandra teve direito de entrevista reservada com os seus Advogados antes de ser interrogada. A defesa não desejava que a cliente fosse interpelada porque ela não estava se sentindo bem e, naquele momento, Alexandra afirmou ao Delegado que iria "reiterar tudo aquilo que já disse anteriormente".

    No entanto, de acordo com o Policial, foi mantido o interrogatório e Alexandra deu uma nova versão para os fatos. Ela disse que Rafael estava agitado e não queria dormir. Por volta da meia noite, ela resolveu medicá-lo com Diazepam (deu dois comprimidos). Ela teria pegado uma corda na lavanderia e amarrado o filho para retirá-lo do quarto. O levou até a casa do vizinho, onde sabia que não havia ninguém. A lesão no tórax de Rafael seria em razão do momento em que ela o tirava da cama e ele caiu.

    O Delegado foi perguntado se ela teve ajuda para cometer o crime e a acusada respondeu negativamente. "Não tenho dúvidas de que ela agiu sozinha", afirmou o Delegado Eibert.

    "Durante este interrogatório, Alexandra foi constrangida inúmeras vezes. Mas não pela Polícia; pela defesa. Quando ela jogou para fora o que queria falar, os Advogados começaram a ficar inquietos", afirmou o Delegado. Segundo ele, o ambiente ficou conturbado e o interrogatório foi encerrado. "O Advogado queria uma entrevista reservada no meio do interrogatório, isso não existe". Eibert informou que uma representante da OAB/RS compareceu ao local para apurar a situação. E que a Corregedoria da Polícia Civil também apurou os fatos e não identificou irregularidades no procedimento policial.

    Reprodução dos fatos

    O Delegado também participou da reprodução simulada dos fatos, quando Alexandra já estava presa provisoriamente e foi conduzida até a cidade para narrar o que aconteceu na noite da morte de Rafael. Antes disso, ela conversou com Anderson, o filho mais velho, e com o então namorado e a conversa foi captada por meio de escuta ambiental, ocasião em que ela falou para os dois que o autor do crime foi Rodrigo Winques. No entanto, na reprodução simulada, ela manteve à Polícia a versão de que medicou Rafael com Diazepam e que, pensando que ele estivesse morto, o retirou sozinha de casa.

    "Ela quis criar uma espécie de blindagem para que o filho mais velho dela não crescesse com essa versão de que ela matou o filho mais novo", avalia o Delegado. "Tenho plena convicção de que, o fato por si só, já é algo muito grave. Imagina no seio familiar o irmão mais velho crescer com o fato de que a mãe matou o irmão mais novo. Ela tentou minimizar o dano causado a Anderson".

    Alexandra alegou ao Delegado que ministrou medicamento em Rafael e, pensando que ele estivesse morto, laçou o corpo dele para poder transportá-lo. Mas o laço, que foi feito na altura dos ombros, teria corrido para a altura do pescoço e asfixiado ele. "O que ela narrou ali, para mim, não era viável. A casa dela, até o posto de saúde, era muito próxima. Qualquer mãe ou pai, como primeira providência, iria sair correndo, pedindo socorro. Na frente da casa dela, inclusive, havia os familiares dela", avaliou.

    O Delegado disse que ela chorou muito quando retornou à casa. "Achamos que fosse pela morte de Rafael. Mas ela deixou bem claro para a gente que era porque a casa estava fora de ordem. Isso foi algo que chamou a nossa atenção".

    Afirmou que Alexandra era organizada, metódica, disciplinadora e estabelecia as regras de convivência da casa. "Talvez por ser uma mulher para criar dois homens. Ela estabelecia regras de convivência muito firmes. Por sua vez, Rafael, um pré-adolescente, começou a descumprir as regras estabelecidas por ela, em especial, em relação aos jogos de celular", relatou o Policial.

    Perícia

    Segundo o Delegado, os peritos tiveram que cortar a corda que envolvia o pescoço de Rafael, em razão dos nós serem muito justos. "Enxergamos esses nós em outros pontos da casa. Ela reproduziu esse nó no fio do meu mouse". Ainda de acordo com o Policial, o corpo estava acondicionado numa caixa. "Quando a Polícia localizou Rafael naquela caixa, o corpo estava acondicionado, coberto por panos. E por isso o corpo ficou preservado ali, sem causar odor", relata. Ele explicou que a condição climática e a forma como estava acondicionado favoreceram a conservação do corpo da vítima.

    Sobre o uso de Diazepam, o Delegado afirmou que esta foi a única medicação identificada no corpo do menino. Ele apresentava uma lesão no pescoço e outra na lateral do tórax, que teria ocorrido por ter caído da cama.

    Rodrigo Winques

    Sobre a possibilidade de Rodrigo Winques ser o autor do crime, o Delegado disse que foi verificado com testemunhas, com a Polícia Rodoviária Federal e através de estações rádio-base (ERB), e comprovado que o pai de Rafael estava em Bento Gonçalves na data em que o menino desapareceu. Ainda de acordo com Eibert, o homem sempre colaborou com as investigações e manteve a mesma versão sobre os fatos.

    Ele informou que localizou conteúdo pornográfico no celular de Rodrigo, mas nada relacionado à pedofilia, sexo com tortura e nem exposição de armas de fogo.

    Pesquisas na internet

    Assim como o Delegado Ercílio Carletti, a testemunha confirmou que houve pesquisas de Alexandra na internet, na noite do crime, sobre o uso de 'Boa Noite, Cinderela' e vídeos de sexo forçado com uso de asfixia.

    Menino inteligente e quieto

    A professora Ana Maristela Stamm foi a primeira testemunha ouvida em plenário, arrolada pelo Ministério Público. Ela não quis que o seu depoimento fosse transmitido pela internet. A docente lecionou Ciências e Artes na turma de Rafael por cerca de 1 mês (as aulas foram interrompidas por conta da pandemia, em março de 2020, e o assassinato ocorreu em maio do mesmo ano), mas informou que o conhecia da escola, de anos anteriores.

    Ela o descreveu como um aluno disciplinado, querido, porém, muito quieto. "Ele fazia as atividades com muita rapidez. Ele nunca conversou, nunca ouvi a voz dele". A professora não sabia nada da vida pessoal do menino, mas disse saber que ele tinha amigos com quem gostava de brincar com jogos eletrônicos. Mas que, em sala de aula, Rafael não levantava da cadeira, não ria, não brincava e isso chamava a sua atenção, pois destoava do grupo.

    À defesa de Alexandra, a professora informou que Rafael era muito educado, sempre estava bem apresentado, com roupa boa e material escolar de primeira, assim como o irmão mais velho. "Era bem cuidado", observou.

    Quando o aluno estava desaparecido, a testemunha ajudou nas buscas e também foi na casa do garoto, assim como outras professoras, mães e até alunos.  Ana disse que o tratamento sempre foi cordial, apesar de observar que a mãe "se mostrava tranquila" demais com a situação. "Parecia fria", frisou. Lembrou que Alexandra chegou a fazer uma brincadeira mesmo após o menino ter sumido: "Vamos ver se ele não tá na gaveta? Vamos ver se ele não tá na panela?!", e que isso a chocou.

    Alexandra também dizia que tinha certeza de que Rafael voltaria para casa. A testemunha contou que a mãe dele não chorava, apenas segurava um ursinho de pelúcia que era do menino. Já o irmão mais velho do garoto estava bastante aflito. Ana disse que soube que o pai, Rodrigo Winques, que não morava na cidade, estava procurando pelo filho. "Pessoas viram ele e nos disseram que ele estava a pé e desesperado buscando por Rafael", informou Ana ao Assistente de Acusação.

    "Não é justo que um menino tivesse sido morto daquela maneira", afirmou a testemunha, quando questionada pela Promotora de Justiça sobre a sua reação ao saber do falecimento do menino. "Eles não querem que fale no nome do Rafael, que eles entram em pânico", informou ela, sobre os colegas de escola e que alguns deles precisaram de atendimento psicológico após a morte do menino.