A transmissão pública dos julgamentos parece ter afetado sua praticidade, cada qual pretendendo assegurar boa performance
Vivemos um momento histórico em que juízes e tribunais passaram a ser vedetes de comunicação. Tudo passa pelo crivo do Supremo Tribunal que deveria ser apenas o guardião da Constituição.
Questões relativamente simples passam a exigir exaustivos votos de duzentas páginas de pesquisas de doutrina e precedentes, evidentemente não escritas pelo prolator do voto, o que seria impossível com o volume de trabalho que precisam suportar.
Se todos já têm sua convicção e trazem o voto redigido, a maioria das vezes já lançados no sistema e de conhecimento dos demais julgadores, a quem pretendem convencer com o longo arrazoado? Certamente não ao público que não consegue entender nem dez por cento do palavreado jurídico.
A transmissão pública dos julgamentos parece ter afetado sua praticidade, cada qual pretendendo assegurar boa performance.
Causa perplexidade ao público a divergência de interpretações. Como é possível que, sobre a mesma lei, julgadores digam que significa isto e não aquilo? Já a interpretação do fato é torcida conforme a ótica do julgador.
Ora, as leis são aprovadas em determinado momento histórico. Quando o Juiz vai aplicá-las o mundo já é outro. Nosso Código Comercial é de 1850. O Código Penal é de 1940 e o Código de Processo Penal de 1941. O Código Civil era de 1916. O TSE edita suas próprias normas.
Estima-se que existam cerca de 790.000 normas editadas no Brasil, incluindo leis, decretos, portarias e regulamentos e, que, na média, um Juiz conheça cerca de 500. Todos os dias saem vários Diários Oficiais a publicar uma enxurrada de normas federais, estaduais e municipais que precisam ser lidas e interpretadas. Códigos antigos traziam artigos enxutos e de português claro, preocupação que não se vê nos novos legisladores.
Ninguém pode alegar o desconhecimento da lei, porém, mesmo que queira, um estrangeiro fica apavorado com a possibilidade de ser punido por não cumprir alguma dessas normas a exigir especialistas a explicá-las.
A segurança jurídica fica abalada quando não há clareza da norma ou segurança nas decisões. Dentro do mesmo Tribunal, dividido em turmas ou Câmaras, pode depender apenas da sorte o resultado de sua pretensão, pelas decisões divergentes.
A modificação de entendimentos, já solidificados, quando da mudança de composição dos Tribunais, traz ainda mais insegurança. Cada novo membro traz sua própria interpretação. É inegável que a formação jurídica e a ideologia pesam muito na decisão.
Enquanto os administradores puderem nomear ministros os seus amigos, colegas partidários ou seus próprios advogados, sob a influência de grupos políticos ou conglomerados econômicos, não teremos segurança jurídica. As Cortes devem ser compostas pelos melhores, mais experientes e mais respeitáveis juízes, vocacionados para o cargo, o que exigiria uma mudança constitucional.
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