Colunista

Moacir Leopoldo Haeser

Muito grito e pouca lã

Publicado em: 13 de maio de 2025 às 08:50
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Lembrei dessas belas lembranças da juventude ao ver esta semana uma antiga expressão, que se ouvia muito em julgamentos pelo júri, relativa à tosquia de ovelhas

Quando eu era criança não havia caminhão do lixo, nem separação em recicláveis e orgânicos. Aliás, nem havia lixo. O único que recolhia dejetos era o cubeiro, profissão que teríamos caso não estudássemos, segundo nosso pai.

Não havia sacolas e sacos de plástico. Os alimentos eram enrolados em papel, comprado em resmas de 500 folhas.

Só quem já trabalhou como caixeiro de bodega sabe a perícia que é necessária para enrolar um quilograma de farinha de trigo. Arroz e feijão eram bem mais fáceis para quem tinha prática.

O cliente já trazia a sacola de casa, onde eram colocados os produtos adquiridos, depois de pesados em uma balança de pesos de metal.

A banha era comprada em grandes latas de querosene e vendida por quilograma aos clientes.

Não se plantava soja e não havia azeite para cozinhar. Era usada apenas banha de porco.

Os terrenos eram compridos, em média 55 metros, e as pessoas tinham nos fundos sua horta, algumas árvores frutíferas e um viveiro com galinhas. Estava garantida a carne e os ovos. Aliás, eu me criei comendo diariamente “eierschmier”. Já a continuidade era garantida pela “galinha choca”.

Era comum haver um chiqueiro com um leitão adquirido na colônia. Os restos de alimentos eram jogados num balde e a lavagem diariamente colocada no chiqueiro.

Não havia coleta de lixo, pois todos os restos eram jogados no viveiro das galinhas ou no chiqueiro.

No dia de carneação era uma festa, pois carne era rara – meio quilo de agulha, por dia, para toda a família – e churrasco só no dia de quermesse anual da igreja.

Um vizinho experiente era chamado para o golpe fatal.

A gritaria era de dar pena à gurizada, mas um certeiro golpe no coração fazia jorrar o sangue, que era aparado numa jarra, pois nada era desperdiçado.

Depois de lavado com água, que fervia desde a madrugada em um grande tacho, o porco era raspado e carneado.

Os órgãos internos tinham seus apreciadores e os espetinhos logo estavam cravados ao redor do fogo. As tripas, depois de lavadas, perfeitamente limpas e colocadas no limão, seriam usadas para encher linguiças e morcilhas.

A morcilha branca era feita com a pele, fígado e carne da cabeça, tirada depois de fervida. Já a morcilha preta era enchida com sangue coagulado, cuidadosamente temperado. A fervura dava o toque final para a perfeita conservação.

A carne, moída e temperada, era colocada nas tripas com uma máquina de moer, com um funil na saída, onde a tripa era colocada. Era uma honra para nós, gurizada, torcer a manivela e manejar a tripa, cuidando para que não rasgasse, fazendo voltas para formar os gomos. Depois era levada ao kleiner shuppen para ser defumada, junto com tiras de speck para fazer o bacon.

O restante da gordura, cortada em pedações, era frita no tacho e depois espremida numa prensa especial. A banha escorria para as latas e restava o criba ou torresmo, uma delícia quando bem prensado e sem pele.

Com a gritaria, não tinha como esconder dos vizinhos a carneação e cada um recebia um pedaço que, em outra ocasião, retribuiria. O restante da carne, depois de frita, era conservada dentro das latas com banha, pois não havia energia elétrica, nem geladeiras.

Lembrei dessas belas lembranças da juventude ao ver esta semana uma antiga expressão, que se ouvia muito em julgamentos pelo júri, relativa à tosquia de ovelhas. Era usada para desdenhar e rechaçar um argumento mais veemente do adversário, no debate entre acusação e defesa, mostrando que não tinha nenhum conteúdo. Cravou o Deputado Marcelo Moraes, discursando na Câmara dos Deputados, referindo-se à atuação do Governo Federal em relação às enchentes no Rio Grande do Sul: “é como tosa de porco: muito grito e pouca lã”.