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Capoeira é resgate histórico e cultural da brasilidade

Publicado em: 03 de agosto de 2023 às 17:15 Atualizado em: 08 de março de 2024 às 11:40
  • Por
    Guilherme Bender
  • Fonte
    Jornal Arauto
  • Foto: divulgação
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    Arte marcial, que renasceu recentemente em Santa Cruz, tem origem afro-brasileira com traços indígenas

    Em 3 de agosto é celebrado o Dia do Capoeirista. A data destaca os praticantes da arte marcial afro-brasileira, que mistura luta, dança e música com uma harmonia única. Estima-se que a origem tenha sido no final do século XVI, por descendentes de escravos africanos no Quilombo dos Palmares. Em Santa Cruz do Sul, o grupo Santa Capoeira  reviveu a prática e hoje movimenta dezenas de crianças, jovens e adultos, sejam homens ou mulheres.

    Arte e valores

    Ademir Pontel é mestre do Santa Capoeira e pratica a arte marcial há mais de três décadas. O início, mais precisamente em 1988, foi em um grupo em que ficou por mais de 30 anos. “Santa Cruz sempre foi acolhedora com a capoeira, tanto em colégios quanto academias. Apresentamos até mesmo em CTG”, conta. “Nós temos raízes lá da Bahia, vindo de mestres e mestres, gerações e gerações. Hoje eu difundi este grupo, há quatro anos, que acolhe capoeiristas de vários lugares e também muitos que vêm fazer intercâmbio”, salienta.

    Como outras artes marciais, a capoeira desenvolve, em meio ao convívio com os demais praticantes, a disciplina, o respeito e demais fundamentos de caráter. “A capoeira também tem ensinado autoconfiança e os pais tem vindo nos agradecer por isso. Por exemplo, muitas vezes tem aquela situação que o aluno não sabe o que foi explicado e tem vergonha de perguntar. Agora, muitos perdem essa timidez, esse medo, e vão atrás da professora para tirar as dúvidas”, frisou. “Há também o canto, o tocar dos instrumentos. Isso ajuda a remover um pouco desta inibição, essa timidez. Assim, no futuro, quando precisar falar com alguém, até mesmo numa entrevista de emprego, vão estar menos tímidos”.

    O mestre destaca como é mágico ver avô, pai e neto praticarem a capoeira juntos. “É uma filosofia de vida. Para mim, é bem-estar, lazer, família e uma irmandade muito grande”, frisou. Ele destaca a consciência que um professor tem que ter. “Um aluno não vai querer ser como o mestre, mas vai se espelhar nele”. 

    As aulas ocorrem nas terças e quintas-feiras, das 19h30min às 21h, na sede da Acani, rua Dr. Edgar Mario Sperb, no bairro Independência, em Santa Cruz do Sul. “Todos são bem-vindos”, convida o mestre.

    Orgulho e preconceito

    Alceu Silva praticou por anos karatê, mas desde a infância nutria uma paixão intrínseca pela capoeira. Hoje, ele participa do grupo Santa Capoeira. “Por eu ser uma pessoa preta, sempre admirei a capoeira. Quando conheci a arte marcial, me identifiquei totalmente”, salientou.

    O capoeirista conta que, quando pequeno, praticava sozinho, mas sempre quis participar de um grupo.  Contudo, fora limitado dentro da própria família. “Para vermos como o preconceito é: meu próprio pai, que é negro, disse uma frase que ficou marcada para  mim. “Você não vai fazer capoeira, porque capoeira é coisa de vagabundo””, revela. “Então, ele me colocou no karatê, que apesar de ter me ensinado muito, é uma arte marcial japonesa, sem conexão com o Brasil”, ressalta.

    O tempo passou e a capoeira desapareceu de Santa Cruz por muito tempo. Contudo, a arte marcial voltou a figurar na Terra da Oktoberfest. “Neste momento, já independente, decidi que iria fazer parte disto”, comenta Alceu. “E foi uma experiência incrível. Me encontrei com minha brasilidade, e, no meu caso, fiz um resgate de ancestralidade.”, frisou. “Somos ensinados desde pequenos a negar nossa história como negro e ao chegar lá e estudamos novamente sobre a escravidão, cantamos uma cantiga sobre, tocamos um tambor e entendemos que isto não é ruim.”

    Para Alceu, a capoeira também foi a chance de se conectar de forma mais intensa com sua africanidade. Saber da sua história e interagir com ela é uma forma de se localizar no mundo. “Isso é tão importante e necessário quanto o resgate da cultura germânica, italiana e as demais no geral. A propósito, se você tem origem vinculada à imigração europeia, também pode praticar e se relacionar com sua brasilidade”, destaca Alceu. “Hoje me sinto mais brasileiro e tenho orgulho de ser. É uma arte que carrega o DNA do Brasil, a alegria. Já fiz outras artes marciais que são mais frias, nenhuma tem a conexão tão forte”, considera.

    Tabu

    Alceu observa e lamenta que Santa Cruz do Sul ainda cria diversos esteriótipos em torno da capoeira. Conforme ele comenta, a arte marcial ainda é ligada à religião quando, na verdade, não há correlação. “A capoeira não tem religião, mas o capoeirista pode ter”, salienta. 

    O preconceito cresce ainda mais quando se relaciona a arte com religiões de matrizes africanas, como umbanda e candomblé. “As pessoas falam que a capoeira é coisa de macumbeiro. Aí nasce outro preconceito, porque associam a macumba com uma coisa ruim, quando ela é apenas outro meio de manifestação religiosa”, comenta. “A cidade ainda está aprendendo a receber a capoeira, mesmo que sempre tenha sido muito forte aqui”, assinala.