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Centro de Atendimento à Sorologia alerta para incidência de novos casos de HIV

Publicado em: 15 de dezembro de 2023 às 09:26 Atualizado em: 06 de março de 2024 às 15:45
  • Por
    Jaqueline Rieck
  • Fonte
    Jornal Arauto
  • Foto: Jaqueline Rieck/Jornal Arauto
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    Órgão detecta mensalmente de 10 a 15 portadores e atualmente são cerca de 2.200 pessoas em tratamento

    Por ocasião do Dezembro Vermelho e pelo Boletim de HIV e Aids do Governo do Rio Grande do Sul emitir alerta sobre a situação do Estado, esta reportagem, além de chamar atenção para o aumento dos casos, precisa se engajar à causa e falar sobre prevenção. 

    O Centro Municipal de Atendimento à Sorologia de Santa Cruz do Sul (CEMAS), que abrange nove municípios da região e dentre eles estão Vera Cruz e Vale do Sol, informou que detecta mensalmente de 10 a 15 novos casos de HIV.  Atualmente, registra aproximadamente 2.200 pessoas em tratamento, 1.100 de Santa Cruz do Sul e as demais, oriundas das outras oito cidades de cobertura.

    A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que para cada caso de HIV detectado, existem quatro que não foram identificados. O número assusta e vem acompanhado de outra constatação: a mudança do comportamento sexual das pessoas. Para começar a reverter o cenário, somente a conscientização pode provocar a mudança de comportamento. 

    Grupo de risco é quem não usa preservativo e ponto final. Não interessa em que tipo de relação a pessoa está. Se é hétero, homo, bissexual, se é homem ou mulher e nem a faixa etária. Se transa e não usa camisinha, é grupo de risco”, frisa de imediato a enfermeira coordenadora do CEMAS, Micila Pires Chielle. Há cinco anos atuando no centro, ela expõe a real situação da  região dando uma chacoalhada para passar, talvez, a mais importante mensagem com o objetivo de reduzir a contaminação pelo vírus HIV: “só vamos diminuir os casos e frear a contaminação se houver uma mudança brusca de comportamento”, afirma. 

    Sendo referência para os casos de HIV, o CEMAS presta os mais diversos tipos de suporte às pessoas portadoras do vírus. O tratamento é gratuito, via SUS, e lá também são oferecidos diariamente serviços de testes rápidos para a detecção do HIV e de outras Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs). Mas o que assusta é a revelação da coordenadora de que a maioria das pessoas se surpreende com o diagnóstico. “Geralmente foram ao posto fazer o teste e deu positivo, ou realizaram exames para investigação de outras doenças e constataram, além de pessoas com o quadro bem sério, vindas do hospital, de algum tratamento de câncer, meningite, encefalite, problemas respiratórios, que são as doenças oportunistas, e aí já desenvolveram a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida, a Aids”, relata. 

    Quando se une esta informação à estimativa da OMS – de que para cada caso de HIV detectado, existem quatro não identificados – é preciso refletir sobre os riscos de transmissão serem ainda maiores neste momento. Com a sustentação trazida pela vivência de Micila frente ao trabalho no centro, é possível afirmar que os casos acontecem porque as pessoas se relacionam sexualmente e não utilizam o preservativo. 

    Mudança de comportamento

    A enfermeira abordou a mudança de comportamento e a conduta sexual das pessoas como causa para o aumento dos casos, além da não realização da testagem rápida. “As pessoas hoje têm mais liberdade, têm medicamento que auxilia nas relações sexuais, os mais velhos conseguem fazer. Mudou o comportamento. E existe uma resistência muito grande por parte dos homens em usar camisinha, com aquele pensamento de que vai estragar seu prazer”, declara.

    O vírus HIV pode ser  transmitido quando existir contato com o sangue contaminado – e isso pode ocorrer por meio de seringas e agulhas compartilhadas no uso de drogas injetáveis ou de algum objeto perfurocortante – ou então por meio de relações sexuais, sejam elas vaginal, anal ou oral sem o uso de preservativo. “A pessoa não pode pensar que por estar em uma relação estável,  ela está imunizada. Quem tem vida sexual ativa deveria fazer o teste rápido pelo menos uma vez por ano. Tem que conversar com o parceiro. As pessoas fazem sexo, mas têm receio de falar sobre”, sublinha.  

    A facilidade das relações

    Micila comenta que os aplicativos de relacionamentos abriram as portas para as pessoas se encontrarem para fazer sexo. “E nada contra, cada um sabe de si. Mas é preciso ter consciência e responsabilidade. O HIV é uma epidemia que não vai ser erradicada tão cedo se não houver mudança no comportamento das pessoas”, sublinha.

    A grande incidência de casos ultimamente acontece entre os jovens, pessoas com idades de 20 a 30 anos, sem contar na contaminação de idosos, que também cresce. 

    Medicação

    Embora o uso do preservativo, junto à conscientização, seja o maior aliado no combate à epidemia do HIV, existem também medicamentos que podem ser utilizados em caso de situações de exposição ao vírus: o PrEP e o PEP. São comprimidos que auxiliam na prevenção do HIV antes ou depois da relação sexual. O uso do PrEP (Profilaxia Pré-Exposição) é indicado para quem não tem  HIV, mas está exposto ao vírus. Já o PEP (Profilaxia Pós-Exposição), serve para casos de urgência, quando uma pessoa é exposta ao HIV em situações de sexo desprotegido, violência sexual ou algum acidente com perfurocortante. Nestes casos, o PEP deve ser tomado em até 72 horas após a exposição ao HIV pelo período de 28 dias. Estes medicamentos são disponibilizados pelo SUS no CEMAS, que atende de segunda a sexta-feira, e, em caso de urgência, pode ser retirado no Hospital Santa Cruz. “Caso a exposição ao HIV ocorra durante o fim de semana, a pessoa pode ir até o Hospital Santa Cruz solicitar a PEP que receberá o tratamento para 5 dias, Mas em seguida deve ir até o CEMAS para continuar o tratamento que é de 28 dias”,  explica Micila.

    Eles aprenderam a viver bem com o vírus

    A descoberta do HIV não é fácil para ninguém. Natural de Encruzilhada do Sul, Silvana Beatriz Burgos, 46 anos, detectou o vírus em 2001, quando tinha 23 anos. Ela estima que a contaminação tenha ocorrido um ano antes, com seu namorado da época, que acabou falecendo em julho de 2004, em decorrência da Aids.

    A confirmação por meio de exame caiu como uma bomba, assim como a perspectiva que lhe fora dada na ocasião. “Tu tens de seis meses a um ano de vida, me disse o médico”, recorda. Naquele momento, Silvana pensava somente na filha de cinco anos, fruto de uma relação anterior a esta, que precisava criar. “Meu chão caiu. Me desesperei e pensei que não veria a minha filha crescer”, contou.

    Em janeiro de 2004, Silvana se mudou para Santa Cruz, veio para trabalhar e também começou aqui o tratamento para o HIV. Era paciente do Dr. Ênio. Teve um relacionamento que durou sete anos, mas terminou.

    No dia do médico, em 2013, foi até o CEMAS para abraçá-lo pela data. A essa altura, ela já desejava ter uma nova relação e, por ser soropositiva, queria encontrar alguém que também tivesse HIV. Enviou ao médico uma mensagem perguntando se ele conhecia algum grupo onde ela poderia encontrar um namorado como ela e recebeu outra pergunta de volta: mas por que tem que ser alguém com HIV? Ela contou que desejava se sentir mais à vontade, tinha medo de transmitir HIV a alguém. Dr. Ênio explicou que conhecia casais que se relacionavam, onde um era soropositivo e o outro não, e a convidou para jantar. No encontro perguntou se ela estava carente e, ao receber a confirmação, sugeriu que os dois então juntassem as carências. Ele havia se separado há oito meses. 

    Casamento com o médico

    Desde aquela noite, não se separaram mais. Casaram em maio de 2017 na doutrina budista e, em outubro de 2019, fizeram o casamento civil em Santa Cruz. “Ele me ensinou a não ter mais preconceito comigo mesma”, confidencia.

    Foi durante a relação com Dr. Ênio que Silvana passou a melhorar os cuidados consigo. Melhorou a alimentação, passou a frequentar a academia, dança e faz meditação. “Costumo dizer que minha vida é muito melhor depois do HIV. Mas porque eu tinha o hábito de beber e fumar. Era alcoólatra”, entrega. 

    Faz 11 anos que ela parou de ingerir álcool e atualmente seu tratamento para controlar o vírus do HIV é feito por meio da ingestão de dois comprimidos diários. 

    Indetectável

    Atualmente o vírus está indetectável em seu organismo, o que significa que ela não transmite HIV enquanto o controla com as medicações. Para monitoramento, a cada seis meses é realizado um novo exame para verificar o índice viral. 

    Silvana aprendeu a conviver com o HIV e, ao contrário de outros portadores do vírus, sente necessidade de falar sobre o tema. Nos dias em que o esposo atende pacientes soropositivos, ela gosta de estar junto para conversar com as pessoas e passar a mensagem de que é possível viver bem, controlar  o vírus e encarar de forma positiva e responsável o tratamento. “Não me sinto à vontade quando não posso falar de mim, do meu caso. As pessoas têm preconceito e a ideia errada de que quem é HIV positivo vai ter a aparência do Cazuza, do Lauro Corona. Naquele tempo não existia o tratamento que temos hoje. Comecei a fazer tratamento com 29 anos, o protocolo era esperar a imunidade baixar para começar a fazer o tratamento. Hoje não, a partir da detecção do HIV no organismo, a pessoa já inicia com os remédios”, afirma. O que confirma a perspectiva que qualquer pessoa tem de viver com dignidade a fase pós-HIV.

    Casado, ele descobriu o HIV por conta da doença do marido

    Charles (nome fictício), 42 anos, descobriu ser portador de HIV em abril de 2019. Assintomático, foi em razão de um câncer – considerado uma doença oportunista – descoberto pelo marido que, esta mesma ocasião, confirmou a presença do vírus em ambos. “Ele operou um gânglio no pescoço em março e em abril veio o resultado da biópsia confirmando o HIV positivo dele já no estágio Aids. Fiz o exame e recebi resultado positivo também”, lembra. 

    A prioridade naquele momento foi o tratamento do esposo, que embora apresente algumas debilitações, hoje está bem. Tão logo soube de seu diagnóstico, Charles procurou ajuda no CEMAS. Procurou também suporte psicológico. “Nunca esqueço de uma frase que ele me falou: não basta ter estragado a minha vida, estraguei também a tua”, disse. 

    A suspeita é de que o marido de Charles tenha contraído o vírus antes de se relacionar com ele, e como nunca havia feito teste ou tido algum sintoma, descobriu tardiamente, quando constatou o câncer e a imunidade já estava muito baixa, indicando que o vírus havia se desenvolvido e evoluído para Aids. “Quando descobrimos, ele ficou em choque e eu não consegui assimilar muito bem. Levei um tempo. Mas eu pressentia antes da confirmação, cheguei a ficar três noites sem dormir”, conta. 

    Charles disse ainda que o marido se sentiu muito culpado por tê-lo contaminado e assumiu sua responsabilidade e escolha quando decidiu se relacionar com ele. “Uma coisa que as pessoas têm que tirar da cabeça é que quem tem HIV não vai andar na rua com isso escrito na testa”, frisa.

    Mesmo estando em um relacionamento estável, Charles não compartilhou seu diagnóstico porque optou por se preservar. “Outra coisa que as pessoas devem desmistificar é a ideia de que o HIV é doença de gente promíscua, de gays, prostitutas e bêbados. Tem muita mulher casada, cujo marido faz alguma coisa por fora, que pega. Pessoas de idade, héteros que não se cuidam. O HIV não tem cara, não tem classe”, sublinha. 
    Em tratamento há quatro anos, ele conta que dificilmente fica gripado. Faz o que se chama de tratamento simplificado, utilizando dois comprimidos religiosamente todos os dias, e o vírus HIV encontra-se indetectável em seu organismo. “Comecei a fazer o tratamento e, 60 dias depois, meu exame já estava indetectável”, recorda.

    A expectativa é por janeiro de 2024, quando os dois comprimidos serão substituídos por apenas um e a mensagem que deixa é simples: “façam o teste rápido e se descobrirem o vírus, iniciem e continuem o tratamento que é totalmente gratuito”, conclui.