Desde a enchente de setembro do ano passado, com um intervalo entre janeiro e março, bombeiros como Eder Porto Ferreira dedicam-se ao resgate
Quando comparam bombeiros a heróis, não é exagero. Eles passam ao longo de suas carreiras por inúmeras situações de combate a incêndio, de acidentes de trânsito, de salvamento de diversas naturezas. Mas em 2023, com as enchentes no Vale do Taquari, começou um novo capítulo. Que se repetiu há dois meses, em 2024, com a maior tragédia climática vivida pelo Rio Grande do Sul. O primeiro sargento do Corpo de Bombeiros de Santa Cruz do Sul, Eder Porto Ferreira, vive a linha tênue da profissão. “Há dias em que você vibra pelas vidas salvas, noutros você se conforta por ter proporcionado a entrega de um corpo para a família realizar o funeral”.
Desde a enchente de setembro do ano passado, com um curto intervalo entre janeiro e março, Eder e sua equipe têm se deslocado ao Vale do Taquari com a missão primeira de salvar vidas e agora, num trabalho mais demorado e minucioso, encontrar os corpos de quem não sobreviveu.
Eder explica que a atuação do Corpo de Bombeiros se dá em duas fases. O primeiro momento é o mais tenso, o do salvamento. “Acessar os locais em meio à correnteza naquela situação caótica e retirar as pessoas daquele local, que estão correndo risco de morte. O bombeiro atua na preservação da vida. E naquele momento, nós não podemos errar. Porque na nossa embarcação estão crianças, estão idosos, estão jovens, adultos, pessoas ali. Aquele momento é o mais difícil, tenso, e que mais exige do conhecimento técnico, emocional e experiência”, explica.
Diferente do que muitos possam imaginar, não se elege prioridades na hora de salvar. “Nosso objetivo sempre vai ser salvar o maior número de pessoas possível. Para nós, todas as vidas são importantes, salvar a vida de animais também”, completa. A equipe de Eder teve, em 2023, mais de 100 salvamentos, e 2024 mais de 150 pessoas.
Família dilacerada
A segunda fase do trabalho, a do resgate dos corpos, não é menos importante para a corporação. E é nela que Eder está ainda hoje atuando, passados dois meses da enchente. “Estou atuando no Vale do Taquari, em revezamento, na busca dessas vítimas. Toda pessoa tem o direito de receber o corpo do seu ente querido. E os bombeiros levam muito a sério essa questão de proporcionar a família o mínimo de alento e amparo nesse momento tão difícil. É uma situação que envolve muita emoção, muita dor. Estamos trabalhando num local de deslizamento, onde uma família inteira perdeu a vida. Já encontramos duas meninas, o pai delas e posso dizer que partes da mãe delas. O único sobrevivente foi o irmão. Faltam os avós ainda. Então é muito triste ter que conviver com essa situação”.
Com estradas bloqueadas, as equipes de resgate só conseguiram acessar com helicóptero da aeronáutica, numa área de deslizamento de 10 hectares, e na iminência de novo deslizamento. Ou seja, “trabalhávamos em risco pelas nossas vidas”, completou.
“Quando eu entro numa enchente, tenho a exata noção que meu barco pode virar a qualquer momento. Por mais que eu tenha treinamento, experiência de vários anos, sei que aquela é uma situação extrema. Até hoje nunca aconteceu, mas a gente entra sabendo dos riscos“, acrescenta.
Voluntários
Eles são muito importantes, aponta o bombeiro, ao ressaltar que toda pessoa tem o direito de querer ajudar o outro, inclusive em casos extremos. Mas quando a situação oferece riscos, há ressalvas. “Nós, profissionais dessa área, avaliamos muito a circunstância. Dependendo da ocasião, não aceitamos o apoio de uma pessoa sem treinamento. Ocorreu um episódio em Muçum, numa situação extrema, e um civil queria participar do resgate. Mas por questões de segurança, não pudemos comprometer a vida daquela pessoa, arriscar. Só que por conta própria ela se deslocou para fazer resgates e acabou sendo levada pela água e perdeu a vida. Essa situação ilustra muito, mas o trabalho voluntário é muito importante”, considera.
Para Eder, todo trabalho é importante na hora da emergência. Seja no resgate, no acolhimento, no frio estender um copo de café. Essa sensibilidade é muito importante, acrescenta ele. Às vezes a capacidade de equipamentos fica exaurida. “Nossas portas sempre estão abertas e a comunidade pode nos procurar para ajudar, para cuidarmos uns dos outros”, convida.
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